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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Radioiodoterapia

Faz tempo que não passo por aqui e isso tem um porquê.

Estou em isolamento desde quinta-feira, dia 6 de fevereiro.
Piadinha do destino: pra entender melhor o exílio, nada melhor que se exilar.

Pois bem, explico-me: tive câncer de tireoide. Um câncer raro/estranho, mas com chances altas de cura, ou seja, somente um divertimento do senhor do tempo sobre o meu corpo. 
Procedimento: cirurgia para remoção total da tireoide e tratamento com radioiodoterapia.

O grande detalhe disso tudo é que radioiodoterapia = isolamento.
Isso mesmo, de 1 a 3 dias em isolamento hospitalar até a radiação diminuir pr'um nível seguro e 7 dias de isolamento domiciliar. Total: cerca de 8 a 10 dias sem toque físico (de ninguém, inclui animais) sem poder se aproximar de ninguém, mantendo 1 mt de distância de qualquer pessoa e não permanecer mais que 1h/dia perto de alguém, mesmo mantendo distância. Quem me conhece sabe o quanto isso pode ser muito difícil.
Sim, eu me tornei uma mutante, radioativa (claro, dramatizei, exagerei, mas juro que hoje é assim que me sinto!).

Até ontem a noite, eu tive muito enjoo e não pude pedir ajuda, sem abraço. 
Dores no rosto e no pescoço. Saliva que desapareceu, limão pra chupar, tão gostoso....

Sim, houverem encontros importantes e potentes por telefone, por mensagens, por skype, mensagens carinhosas e animadoras, oásis para esse momento.

Fiquei exilada dentro de minha própria casa.
Tenho que me olhar 24h/dia, que pessoinha estranha eu sou!

Sim, eu continuo dramatizando e você pode estar pensando: o que é isso menina, são só 10 dias de tratamento, tem outros tipos de câncer muito piores.
Eu te digo: você tem razão. Eu mesma conheço pelo menos 5 pessoas que passaram por coisas piores, sobreviveram e estão por aí lindas. Mas, eu nunca estive. Pra mim tudo é novo, tudo é realidade, mas tudo também é ficção.

A adaptação a um hormônio não produzido por mim...

Essa noite foi mais tranquila.
Estou sem enjoos.

Aproveitei para rever o meu doutorado e o Projeto Exilius.
Mas isso aqui é novo, no deserto, eu podia pedir ‘um cigarro companheiro’, podia pedir um aperto de mão, trocar meia dúzia de palavras com quem estava comigo, podia brincar com o Ahmad.

Aqui é tão conhecido, é a minha casa, tão próximo de tudo. Mas, eu não posso ter ninguém por perto e isso realmente é novo.

Pensei no Coelho Branco, Coelho Vermelho. O autor é exilado em seu próprio país, não pode sair de lá e por enquanto é tudo que eu sei, talvez até saiba errado...

Encontrei algo que escrevi no deserto q que faz todo sentido aqui, foi escrito no dia 06/09/2012 - nos acampamentos de refugiados saharauis, no deserto do Saara:


Amigo, eu tô dividindo com você somente esse pedaço de pão. Só isso. É só você me perguntar o que eu realmente quero que não será nada difícil para você compreender: QUE EU ESTOU AQUI PEDINDO SÓ PRA VOCÊ CONVERSAR COMIGO. É que tantos dias se passaram que você quase se esqueceu de mim. Mas, eu não esqueci de você. Eu não esqueci de você enquanto caminhava dia e noite sem parar até cruzar a fronteira, até encontrar com outros de mim. Até que uma barreira se ergueu entre nós, até que não pude mais te olhar, até que seus olhos se foram se apagaram da minha memória. Mas, agora depois de tanto tempo você está aqui e eu não sei mais como se abraça você. Esquecemos como fazer isso. Eu to cheia de protocolos, de barreiras de segurança, é que assim não corremos os riscos dentro de nossas pequenas próprias fronteiras-pele. Desculpa, eu to vomitando palavras em você. Eu sei.

Hoje, eu comecei a achar graça nisso e acreditar que tem tudo a ver com o Projeto Exilius, por isso decidi escrever, relatar a minha experiência, um diário, como fiz com o deserto, quem sabe, se der coragem eu publico por aqui.

Por enquanto, eu indico um blog bem legal (e mais animador que esse aqui) para quem quiser conhecer mais sobre esse tipo de câncer e passar a informação pra quem precisar um dia (espero que não precise!):

http://aos27.wordpress.com/

Ah, hoje o Wolverine passou aqui em casa, tomou café comigo, um cara bem simpático ele, viu?? Foi a Verônica que indicou o caminho... Tava perdido pela rua da fazenda, coitado, sem usar celular ficou difícil dele achar o caminho daqui de casa.
E esse mundo segue completamente nonsense.



quarta-feira, 10 de abril de 2013

Carta Capital

“Em pleno século XXI, o Marrocos protagoniza uma guerra imperialista, obrigando o exílio dos saharauis no auge da globalização”, diz Lagdaf.

Saiu uma matéria sobre os saharauis na Carta Capital, autoria de Amanda Cotrim:

http://www.cartacapital.com.br/internacional/a-ultima-colonia-africana/

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Brasil é um país emergente, um país importante para nós, povos do terceiro mundo, que conheceu a realidade de ser um terceiro mundo. 
(um País) Que tem a sua história, que viveu o que nós vivemos: a colonização e, que sabe o que significa uma colonização. É importante ter (o reconhecimento) um país dessa dimensão, desse alcance e, sobretudo, com a representação que possui o Brasil (internacionalmente). 
O Brasil não é qualquer país. É um país que deve ser um defensor da Paz Mundial e será justo, por exemplo, que o Brasil seja Membro Permanente do Conselho de Segurança (ONU), por sua dimensão, por aspiração própria e por sua história. 

Karim Lagdaf, saharaui, representante da Frente Polisario no Brasil, pelo reconhecimento e apoio.

domingo, 27 de janeiro de 2013

evacuação de cooperantes dos acampamentos de refugiados de Tindouf organizada pela Frente Polisario e pelo Governo Argelino

Segundo o blog: http://aapsocidental.blogspot.com.br 

A Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Sahara refere que trata-se de salvaguardar a segurança dos cooperantes. Em relação à evacuação de cooperantes dos acampamentos de refugiados de Tindouf organizada pela Frente Polisario e pelo Governo argelino, a CEAS-Sáhara quer precisar ante a opinião pública e os meios de comunicação o seguinte: 

1- A medida tem caráter preventivo ante o incremento da tensão na zona, como consequência das ações de guerra levadas a cabo no Mali, e para evitar tragédias como a produzida a passada semana nas instalações de gás de In Amenas, junto à fronteira argelina com a Líbia. 

 2- A repatriação dos cooperantes não foi total e absoluta já que se optou por manter a cooperação essencial e prescindir temporariamente da ajuda necessária mas não considerada imprescindível nestas circunstâncias. 

 3- Esta decisão, destinada a proteger a segurança dos cooperantes e a prevenir possíveis riscos potenciais ante a proximidade de um cenário de guerra, não é em absoluto comparável à que adotou num momento recente, e com carácter autónomo, o Governo espanhol. A conjuntura atual é claramente diferente, pela sua maior perigosidade, e a decisão afeta os cooperantes de todas as nacionalidades e não é uma ação improvisada e unilateral como a que caracterizou a forçada retirada dos cooperantes espanhóis. Acontecimento, então, que provocou a desestabilização e a confusão, favorecendo as posturas do Reino de Marrocos, justamente o contrário do que se procura agora. 

4- A resolução adotada não implica pôr em questão a necessidade nem o valor de uma cooperação que a população saharaui necessita para a sua própria subsistência mas dar prioridade, em primeiro lugar, à segurança dos cooperantes e a prevenir a situação potencial de risco. 

5- A existência dos acampamentos de refugiados, objeto da atenção solidária da cooperação, é uma consequência da falta de decisão política da comunidade internacional que continua a adiar, já por um período de trinta e oito anos, a autodeterminação da sociedade saharaui como etapa imprescindível para a descolonização do seu país. Situação de que é cúmplice o Estado espanhol ao não assumir o seu papel legal como potência administrante, de jure, do território. 

Daí que reiteremos a necessidade de que a comunidade internacional proteja os direitos dos e das saharauis e possibilite que expressem democraticamente a sua decisão livre e soberana. E que se impeça o abuso judicial que se comete com os presos de Gdeim Izik, mais de dois anos submetidos a prisão preventiva, e quem se procura agora criminalizar pela sua defesa dos direitos do povo saharaui, reconhecidos legalmente pela ONU e ignorados pela ocupação militar de Marrocos, com um julgamento em Tribunal Militar no próximo dia 1º de fevereiro.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

domingo, 23 de dezembro de 2012

Nós marchamos

Saharauis, Zapatistas e  Indígenas, eles marcham, nós marchamos. 

Se o mundo não acabou, pelo menos marchamos....

E que assim seja marchamos!

Foto de Rogério Ferrari
Imagem recebida em 22 de dezembro de 2012, autor desconhecido
Imagem de Larissa Ramina: Guarani Kaiowá, a tragédia anunciada

" Quando me desespero, eu me lembro que durante toda a história o caminho da verdade e do amor sempre ganharam. Tem existido tiranos e assassinos e por um tempo eles parecem invencíveis, mas no final, eles sempre caem." 
Mahatma Gandhi


E, lá se vai 2012...
E, aqui vem mais um inocente desejo que tudo mude pra melhor, que as mudanças cheguem.
O mundo não acabou (ainda), mas quem sabe esse seja o fim de um ciclo de intolerância mesquinha, de falta de abrigo e paz.

Termino com a maravilhosa noticia e imagens recebidas ontem:

"Neste dia 21/12/2012, enquanto o mundo brincava de apocalipse, os verdadeiros descendentes dos maias, vivos e reais, nos mandaram das montanhas de Chiapas uma importante mensagem, que surpreendeu o México hoje de manhã. Em diferentes municípios da região Sudeste, milhares de indígenas integrantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) iniciaram o dia em grandes marchas por diferentes estradas e cidades. A manifestação, organizada até a véspera em sigilo, foi pacífica e surpreendentemente silenciosa. Em todas as marchas, o silêncio foi absoluto. Nenhuma palavra de ordem, nenhum cântico, nenhum grito de protesto. Ao final do dia finalmente foi divulgado um comunicado oficial do líder máximo do EZLN, Subcomandante Marcus, dizendo apenas: “Escutaram? É o som do mundo de vocês desmoronando. E do nosso ressurgindo”. Como sabemos, os maias nunca falaram em “fim do mundo” (tampouco jamais conceberam essa ideia). Ao contrário, em um gigantesco silêncio, nos disseram hoje que um mundo novo, uma nova era, está começando. E que os ideais zapatistas estão de volta."



terça-feira, 23 de outubro de 2012

Do lado de lá, do lado de cá, qual a diferença? Indígenas, Saharauis, Curdos, estão todos morrendo, estão todos delimitados, expulsos, aprisionados... Ei, até quando os primeiros habitantes dessa terra precisam pedir/implorar para permanecerem vivos com dignidade?




Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil. 
Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos. Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS. 

Atenciosamente, 
Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay




segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Um encontro

É certo que o projeto Exílius ao longo desses 5 anos sobrevive e resiste dos acasos e encontros com grupos e pessoas que, de alguma forma, compartilham a inquietação de nossa sútil resistência em Front(eiras).
Não dessas fronteiras castradoras que nos impede de ver o outro como semelhante a nós mesmos. Não essa fronteira que cria barreiras e destrói identidades, mas sim dessas fronteiras permeáveis, repletas de linhas de fuga, com desejo de romper com a distância e com a indiferença, que reconhece e respeita a identidade de um grupo.

Hoje, por subjetividades, por impulso, por forças que nos guiam para conhecer alguém 'quase sem querer' e por razões que a própria razão não compreende (por mais paradoxal que isso possa parecer) tive a honra e o prazer de conhecer ao vivo e a cores, o fotógrafo "Rogério Ferrari":

Saara Ocidental/ Saarauí/ Foto de Rogério Ferrari
A admiração por suas fotos já existia desde o instante que, por acaso,  encontrei-o pelo mundo virtual.
Em seu site "existências resistências", encontramos a seguinte frase:

"Uma fotografia é algo que nos pega pela mão e nos diz “venha ver”. 
O problema não é somente o que nos leva a ver, e sim, sobretudo, a forma como nos leva a ver. Se na outra mão da fotografia vão a verdade e o afã de justiça, então vale a pena viagem."

Essa frase sempre ecoou junto a mim, atriz, pesquisadora, em busca de resposta, toda vez que me perguntavam o porquê eu havia escolhido ir pro outro lado do oceano, trabalhar com crianças saharauis, se, aqui no Brasil, existem tantas outras crianças, que precisam de tanto trabalho quanto lá.
A resposta nunca encontrei sozinha. A 'pena' de uma viagem talvez tenha vindo com a resposta do Rogério.
Talvez, porque quando nos deparamos com o outro, quando olhamos profundamente e compartilhamos a história do outro, ela passa a fazer parte de nós mesmos.
Talvez, porque o nosso mundo se reflete nos olhos de quem nos olha.
É assim, além dos idiomas, dialetos, cores, dores, somos todos em algum momento um só, refletindo e sendo refletidos, necessitando do outro pra termos parâmetros de nós mesmos. 

Saara Ocidental/Saarauí/ Rogério Ferrari

Voltando de São Paulo, no ônibus, leio no livro de Rogério, "Curdos uma nação esquecida":

"A Fotografia e o fotógrafo podem ir além da luz e das sombras. Uma posição em defesa da vida e de uma sociedade justa deve transcender e superar o risco da arte como panfleto. Longe disso, o fotógrafo ou o gari, cada qual no seu fazer, não devem tergiversar sobre a necessidade de refletir e atuar sobre o seu tempo. Se o tempo é de barbárie, pois, como negligenciar isso? Constatar o tamanho das injustiças não significa admiti-las como inevitáveis. Em um tempo de conceitos e interesses escusos é preciso ver claro. De que forma, portanto, a pergunta será respondida para que não continuemos sob essa tragédia pessoal e global? O que significa protestar contra o sofrimento, como algo distinto de reconhecer sua existência? Urge romper a inércia e despir-nos da apatia que vestimos a cada manhã."

Pronto, de repente, ele novamente conversa comigo, além de suas imagens.

E pra quem não conhece, segue os links do trabalho do Rogério:
http://rogerioferrari.wordpress.com/
http://www.flickr.com/photos/rogerioferrari


Rogério Ferrari trabalha como fotógrafo independente desenvolvendo o projeto Existências-Resistências, tema que retrata a luta por terra e autodeterminação de alguns povos e movimentos sociais. O projeto evidencia, através das imagens, publicação de livros, debates e exposições fotográficas, o lado desconhecido de conhecidos conflitos: Palestinos sob ocupação israelense; Curdos, na Turquia; Zapatistas no México; Movimento dos Sem-Terra no Brasil; refugiados palestinos no Líbano e na Jordânia; refugiados Saarauis no deserto do Saara e nos territórios ocupados pelo Marrocos; Mapuches no Chile, e os ciganos na Bahia.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012


Exílio significa ser banido, degredado.
Expatriação voluntária ou não.
Deixar o lugar que lhe foi dado, por direito ou por dever.

Exílio no próprio corpo, desfazer-se de si mesmo, redescobrir ações e descobrir ações inata. 
Criar espaços, linhas de fugas, um instante de exílio.
Trânsito livre entre a realidade e a ficção. Permissão e só.
Imaginação em fluxo.

Cito Ileana Dieguez Caballero:

" A teoria como prática interdisciplinar ou in-disciplinar – prefiro hoje dizer – dialoga com a expansão das artes, mas também com a expansão e a problematização da própria categoria de arte, considerando os fluxos entre arte e vida num duplo sentido: não apenas a partir das transformações que a arte veio colocando em nossa vida contemporânea, como também incluindo, muito especialmente, as mutações e contaminações que o espaço do real e as práticas cidadãs introduziram no campo cada vez mais expandido da arte e de todos os sistemas de representação." 

09/09/2012



Eu crio histórias para tornar a realidade mais ou menos cruel... o meu ponto de vista é sempre uma farsa, um novo enredo pra um novo espetáculo...

“Eu tenho um medo constante de que aconteça algo comigo também!”
Vamos resistir. Vamos retomar aquilo que é nosso. Somos potentes roedores. Vamos roer esses muros, vamos retomar e refazer essa marcha. Um depois do outro, regressar àquilo que é nosso. Aquilo que nunca deveria ter deixado de ser nosso.
Vamos voltar pra casa, vamos acabar com esse “climão”. (riso alto, estridente, cambaleante)

Os soldados bons moços são... (rí)
Eles se aproximam nos olham.
Eu, tão somente eu.
Aicha de nome.
Ninguém em existência.

Caminhando nessa noite, a procura de algo que não sei, de alguém que não conheço, porque passou da linha e sumiu como muitos outros pelo deserto.
A rua é do inimigo, a casa não é minha mais.
O soldado que se aproxima.
O toque.
Meus pés já não tocam o chão.
Arrastada.
Encostada.
Levantada.
Invadida.
Um silêncio.
(pausa, o olhar não deve se mover, suspender a respiração)

Não choro.
Não grito.
Não me movimento.
Não mostro a ele o seu troféu.
Não choro.
Invadida.
Não grito.

Posso colocar-me a seus pés?
Escorre entre minhas coxas. Não grito.
(suspiro longo)
Invadida.
(deita-se)

Os soldados até que são bons moços... (respira fundo)
Nesse lugar ocupado...

Meu corpo é puro. Meu corpo apenas é.  Ferir o meu corpo não resolve e não me faz desistir.
Líquido que escorre pela minha coxa. Vermelho. Branco.
Meus olhos que não veem mais. Olhos que só olham dentro.
Fecho os olhos para que outros pares de olhos se abram em mim.
Fecho os olhos para que se abra dentro novamente a certeza e o desejo.

Levanto-me, caminho lento. Pernas bambas. Boca seca. Tudo escorre. Vermelho. Meu corpo liquido.
Soldado distante, liquido que escorre dos olhos. Água salgada.
Não digo o nome.
Só o liquido que escorre.

Caminho lento. Chego lento a lugar nenhum. Caminho. O caminho.
O medo é tudo aquilo que não vejo. O Caminho é lento. Pequenos silêncio. Liquido escorre com soluço pela primeira vez.
Abro o olho lento, ninguém nas ruas.  Olho-me. Ninguém na rua, ninguém aqui.
A barriga vai crescer, laço nada terno tu e eu. Isso já foi dito em algum lugar.
Laço eterno e não terno. Tu e eu. Tu, ele e eu.
Laço eterno. Fecho os olhos, deito.

Vivenciada, viscerada.
Inventada.
Eu invento historias para tornar a realidade mais ou menos cruel. Eu recrio tudo aquilo pra tornar à volta a mim mesma mais ou menos cruel. Refaço o caminho do outro, como se fosse o meu. Pra refazer em mim uma historia que perdi aqui. Refluindo. Fluindo. Desaguando. Relembrando. Invasão de mim.

Aquele homem e eu. Muro. Escuridão. Encostada no muro. Outro muro.
Forte. Alto. Ele e eu.
Acordo.

(desperta do delírio passado, direta com o publico) 
Com licença, você continua aí?
Eu também tenho um cigarro, deseja?
Permita-me mostrar o direito que eu tenho sobre meu próprio corpo território. Direito sobre decidir a mim mesma, sobre quando eu devo andar.
Permita-me andar só. É só isso que eu te peço. Licença pra caminhar sozinha nessa noite quente, enquanto tudo escorre. Enquanto meus olhos tentam se abrir.
Enquanto você pensa que a sua ajuda me basta.
Enquanto você pensa que eu estou em estado de emergência.
Enquanto tudo escorre entre as minhas coxas.
Enquanto eu sonho com o canto secreto dos árabes. ( pausa, reflete), alguém também já disse isso.
Enquanto eu sonho com a serenidade que escorre dos seus lábios.
Enquanto seus olhos se abrem no meu corpo. Eu, tu e ele.

Você quer um cigarro? Um pedaço de pão? É só isso que eu te ofereço: 1 pedaço de pão e ficar aqui sentado, olhando essa noite quente. Não tenha medo. Pode sentar aqui comigo.
Vamos decidir juntos para onde vamos quando o sol chegar.
Quando amanhecer, vamos repartir o que temos e seguir.
Tudo bem, minha mente também não consegue esquecer. Vamos dividir esse prato. Tomar mais um chá que deixa tudo calmo.

(Retorno ao delírio) 
Pára de me dar aspirinas, minha dor de cabeça não passa com isso.
Minha dor de cabeça só vai passar quando você parar de apertar a minha nuca.
Tira a mão de mim. Pára de me medicar.
Façamos um acordo: eu deixo de tomar sua água e sua aspirina, eu páro de gritar na sua orelha, se você tirar a mão da minha nuca.

Estamira ao avesso...
O som do vento.
Cabras falam, eu juro!
Piloto... vôo que nunca rasgou o céu de sua pátria.

"Quem suporta chega a sombra" – ditado saharaui.

Peito aberto de frente ao Front.
Defronte do soldado que se aproxima, debaixo do sol que não me deixa ver nada muito bem o que está acontecendo.
Nosso problema é político. Queremos uma resolução política. Não é uma guerra por religião ou por raça, é uma guerra por auto-determinação. 

 (Escrito depois de uma visita à Asociación de Familiares Presos y Desaparecidos Saharauis - Afrapedesa

07/09/2012


Do outro lado, eles.
Um salto e tudo está aqui do nosso lado.
Fuzil. Confiança que escorre na pele rasgada de sol.
Boca rachada.
Certeza de quem são. Medo que não cessa.
O muro que impede a ultrapassagem, não impede de ver o horizonte.
O lado de lá é o mesmo de cá. Areia por todos os lados.
Minas ativas.
Círculos de pedra.
Barricadas de pedra.
De frente com todo o medo de deixar de ser.
Animal raivoso, vontade de cruzar a linha de frente.

Mohamed cruzou: 2 dias a pé, dois dias de caminhão.
8 anos de idade.

Atento ao caminho, olha por onde pisa.
Segue andando nas linhas do pneu.
Dá tua mão eu vou com você até ali.

 Compreensão de um menino que não vinha, que deixou mãe, pai e irmãos do outro lado.
Ele foi trazido por anjos.
1968 – AI-5, torturas, 44 anos.
1975 – ele tinha 8 anos.

Eu nada, eu pouca coisa, eu aqui. Barulho.
Poesia que não vem.
Pele ardida do sol.
Azzzziiiiizzzzzaaaa.
Saudade que deixou de vir.
Manhã sinistra.
Impaciência.
Ausência minha.
Falta de vontade.
Arte que não escorre.
Diário que não acontece.

06/09/2012

Amigo, eu tô dividindo com você somente esse pedaço de pão. Só isso. É só você me perguntar o que eu realmente quero que não será nada difícil para você compreender: QUE EU ESTOU AQUI PEDINDO SÓ PRA VOCÊ CONVERSAR COMIGO. É que tantos dias se passaram que você quase se esqueceu de mim. Mas, eu não esqueci de você. Eu não esqueci de você enquanto caminhava dia e noite sem parar até cruzar a fronteira, até encontrar com outros de mim. Até que uma barreira se ergueu entre nós, até que não pude mais te olhar, até que seus olhos se foram se apagaram da minha memória. Mas, agora depois de tanto tempo você está aqui e eu não sei mais como se abraça você. Esquecemos como fazer isso. Eu to cheia de protocolos, de barreiras de segurança, é que assim não corremos os riscos dentro de nossas pequenas próprias fronteiras-pele. Desculpa, eu to vomitando palavras em você. Eu sei.

Eu crio histórias, para tornar a realidade mais ou menos cruel.... meu ponto de vista é sempre uma farsa, um novo enredo para um novo espetáculo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Um passo atrás para dar muitos a frente.

Esse blog tinha uma função poética, de construção imagética de assuntos relacionados ao exílio e, em especial, à causa saharaui, mas com a ida aos acampamentos e conhecendo melhor a realidade e o movimento de libertação do povo, é necessário dar um passo atrás e cumprir com a função de divulgação dos dados históricos e reais desse povo. 
Afinal, informações erradas (como baixa temperatura a noite – sim, elas existem, mas não nesse período do ano, ou então, que nunca chovia no deserto – sim, choveu, pouco, mas caiu água do céu) até falta de informações em português sobre a história desse povo e sua organização social ficaram explícitas durante a viagem e, claro, foram motivos de piadas em diversos momentos (ok, eu assumo! rs).

Mas, vamos lá na tentativa de mudar, recomecemos:

Cinzia Terzi, vice-presidenta da Associação Jaima Sahrawi e pesquisadora do  povo saharaui,  disse-me: “Uma nação só acontece quando se deseja ser nação. A declaração de uma nação parte do desejo, parte da ânsia de ser reconhecido como tal, assim acontece com a RASD – Republica Arabe Saharaui Democratica.” 

O povo saharaui nasce do encontro da população árabe com os nômade berberes e que dizer literalmente, “gente do deserto”. 
Desse encontro, nasce uma população ligada pelo islamismo sunita e por uma língua única “hassanya” (muito próxima ao árabe clássico), dando uma identidade própria à região do Sahara Ocidental. 

Antes da chegada dos colonizadores, eles se dividiam socialmente em camadas, que podemos visualizar como pirâmide. 
No ponto mais alto da pirâmide haviam: 
1- Os cultos, que dominavam os saberes: religioso e as ciências. 
2-Os guerreiros, que asseguravam a defesa do território e da população. 

Descendo na piramide, encontravam-se: 
1- Pastores e agricultores, que em busca de proteção espiritual e armada, pagavam impostos. 
2- Abaixo desses haviam os escravos livres e outros trabalhadores. 

Essa estrutura social era mantida, por um poder central, pelos chefes da tribo, denominado “Conselho dos Quarenta”. 

A Colônia 
A questão do Sahara Ocidental e seu processo de colonização tem como marco a data de 1884, quando a Espanha funda a sua colonia no Rio de Ouro, no Congresso de Berlim. 
Nesse mesmo período, a França e a Espanha definem o território que cabia a cada uma, assim também o Marrocos estava sobre domínio de seus colonos franceses. Em torno de 1890, nasce o primeiro movimento anticolonialista saharaui, com a tribo guerreira “Uld-Delim”. 
Entre os anos de 1900 – 1920, a Espanha e a França, a partir de muitos acordos, decidem as areas de influencias de cada país: Marrocos, Mauritânia e Argélia (França) e Sahara Ocidental (Espanha). 

Em 1949, descobre-se no território o maior centro de fosfato do mundo. 
Em 02 de março de 1956, acontece o processo de descolonização do Marrocos pela França. 
Em 1958, a Espanha divide o território em dois centros administrativas: Rio de Ouro ao sul e, Sanguia El Hamra ao norte, que formavam a província espanhola “Sahara Espanhol”. 
Os conflitos com o Marrocos já são aquecidos nesse momento com o desejo desse país pela construção do “Grande Marrocos”. 
Em 1960, a Argélia torna-se independente. 
Em 1962, independência da Mauritânia. 

Descolonização e traição. 
Os movimentos de libertação da colônia espanhola aumenta nesse período, surgem movimentos nacionalista, anticoloniais. 
Em 1968, cria-se o movimento de Libertação de Sanguia El Hamra e Rio de Ouro. Em 1973 funda-se a Frente Polisario (Frente popular de libertação de Sanguia El Hamra e Rio de Ouro) e o principal objetivo desse movimento que começou clandestinamente e foi se tornando cada vez mais forte e estratégico era a independência do Sahara e a reformulação e enfrentamento do que seria o “Grande Marrocos”, já prevendo o desejo do mesmo sobre o seu território. 
Em 1974, a Espanha propõe um referendo ao Secretariado Geral da Onu que poderia dar a autodeterminação ao povo saharaui. Por esse motivo começa um censo da população naquele momento para o acontecimento da votação. Em 1975, a corte de Aia envia uma delegação da ONU, para verificar a viabilidade do referendo de autodeterminação. Essa corte indica que aquela era uma terra “nula” e que nem o marrocos, nem a Mauritânia tinham qualquer historia sobre o território que poderiam dar qualquer vestígio de vínculo com a área e propõe a continuidade do referendo. O Marrocos, que há muito desejava aquela região se sente desprivilegiado. 
Em 17 de outubro de 1975, um acordo secreto entre a Espanha e o Marrocos, e contra a decisão da ONU de um referendo, permitem o acontecimento da Marcha Verde, no qual 350.000 marroquinos invadem o Sahara Ocidental. 
Em 14 de novembro de 1975, é firmado um acordo entre Espanha, Marrocos e Mauritânia. A Espanha concede o território a esses dois países que iniciam a invasão: ao norte pelo Marrocos e ao sul pela Mauritânia. Tem inicio a retirada dos saharauis. A Frente Polisario resiste de todas as formas, apesar dos bombardeios com Napalm feitos pelos aviões marroquinos. A população que consegue foge para a Argélia, para a cidade de Tindouf e cria-se ali o primeiro acampamento de refugiados. 

Em 27 de Fevereiro de 1976, a Frente Polisario proclama a RASD – Republica Arabe Saharaui Democratica. Decretada no Exílio, que permitiu e assumiu a retirada do poder da Espanha sobre as decisões da população saharaui. 
Em 05 de agosto de 1979, é declarada a paz entre a RASD e a Mauritânia, que retiram as suas tropas. 

O Muro 
Em 1980, a Frente Polisario já havia reconquistado uma pequena parte de seu território, conhecido ainda hoje como Territorio Livre.
Frente a esse fato, Hassan II dá inicio a construção do Muro de areia. 
De 1981 a 1986, o Marrocos se dedica a construção desse muro, que possui mais de 2.500 km de extensão partindo do sul do Marrocos até a costa Atlântica, divisa com a Mauritânia. Além da construção do muro, o Marrocos se encarregou de minar toda a região ao redor do muro, de construir base militares fortemente armadas e com sistema eletrônico em defesa do que eles declararam ser o seu território, dando inicio a uma nova colonização/exploração da região. 

Em 1984, a RASD é reconhecida pela Organização da União Africana, esse fato faz com que o Marrocos saia da Organização.
Em 25 de setembro de 1987, a Onu decide enviar uma missão na região para estudar uma maneira de cessar fogo e finalizar o conflito na região. 
Em agosto de 1988, um acordo de Paz elaborado pelo Secretario Geral da ONU, propõe uma resolução pacífica para a região. 
Em 6 de setembro de 1991, acontece o cessar fogo e a criação da Minurso ( Missão da Nações Unidas por um Referendo no Sahara Ocidental), traçando como data prevista para a votação o dia 26 de janeiro de 1992.

A data determinada pela ONU para a votação é boicotada pelo Rei Hassan II do Marrocos. Desde então, o Marrocos tem ocupado a região, enviando marroquinos para viverem no território para assim, expulsar e diminuir a população saharaui no Sahara Ocidental, dificultando a realização do referendo. 

Atualmente, os saharauis estão divididos em 3 partes: 
1- Acampamentos de Refugiados, localizados em Tindouf, Argélia, com cerca de 200.000 pessoas vivendo em situação de exílio, num ambiente inóspito e pouco propício a vida humana, dependentes sobretudo de ajuda humanitária para viver.
2- Territórios Ocupados, uma parcela da população saharaui, que não conseguiu fugir durante a guerra permanece ainda no Sahara Ocidental sobre o domínio do Marrocos. Nesse território, as histórias de torturas, prisão e sequestros de militantes saharauis são intensas ainda hoje e os registros assustam (em breve um texto somente sobre isso!). 
3- Território Liberado, uma faixa vizinha ao muro, reconquistada pela Frente Polisario durante os anos de guerra.

A historia é longa, o conflito merece atenção, portanto, vou publicar em partes as informações, em breve um texto sobre a Frente a Polisario.


Jaima - Smara - Campo de refugiado saharaui - Tindouf - Argélia

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

São mais de 2.500 kms de muro, com minas cercando todo o território e nós cruzamos por várias delas. Os saharauis estão há 37 anos em Exílio e apesar da opressão do gigantesco muro, eles são exemplos de cidadania, de respeito, de esperança e certeza de uma pátria livre: RASD - Republica Arabe Saharaui Democratica. Sahara Ocidental Livre Já!

Que o Brasil reconheça a RASD!


domingo, 2 de setembro de 2012

Silêncio

Silêncio.
Mentira.
Aqui nenhum silêncio.
Mente que não pára, imagens que não param...

Gente que fala e que fala e que fala.
Eu que falo e que falo e que falo.

Vazio barulhento.
Desconforto do desconhecido.

- Outro vinho, posso?
- É assim, de repente é assim... Vc olha por lado e a pessoa deixa de estar. Foi levada com o vento. Dela só ficaram as fotos, o rosto jovem, o silêncio interminável e as roupas que era preciso desfazer.

A menina mais nova brinca com boneca, de construir casinhas, de colocar tijolinho sobre tijolinho.

- Posso pegar outra taça de vinho?
- ... (balança a cabeça).

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Aqui estou eu de novo, no mesmo bat local...
Pra mim tudo é igual, a mesma casa, mesmas árvores, mesmo calor...

Igual? E as coisas que aconteceram aqui nesse 1 ano? Pra mim ainda é tudo invisível, fora as fotos que ví:

2mts de neve, terremoto que balançou tudo, crise que balançou ainda mais as estruturas... 
Hoje soube que cerca de 20 empresários se suicidaram depois da crise.
Cada um constrói a guerra que pode né não?

Curiosidades que só acontecem quando procuramos saharauis:
A Chrifa (uma muito famosa, aluninha porreta e agitada do ano passado) não foi encontrada nos acampamentos e não veio pra continuar os tratamentos dentários, muitas hipóteses para seu sumiço: 
1- Ela não se chama Chrifa e veio no lugar de outra criança que por algum motivo não pode vir ano passado.
2- Fugiram dos acampamentos?
3- Melhor não pensar nesse 3.....

Vamos lá, que é só o primeiro dia....

Sempre é dolorido sair da casa/pátria, mas é sempre bom sair de mim mesma  e perceber como somos pequenos.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

"Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar, é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isto que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram."  Rubem Alves

A frase veio da Quesia Botelho, mas cabe direitinho nessa segunda preguiçosa, arrumando malas.... 

Momento de procurar em tudo os "porquês", pra entender porque de novo estou fazendo as malas, porque de novo sinto medo e desejo, porque la vou eu de novo atravessar o oceano pra encontrar a mim mesma. Aonde me perco? Aonde me encontro aqui?

Ontem também apresentamos o "Passagens", encerro esse post apressado com um texto da Hilda Hilst (Obscena Sra D) e o clipe do Exílius, pra relembrar...


" Desamparo, abandono, desde sempre a alma em vaziez, buscava entender de nós todos o destino, isso de vida e morte, esses porquês. Também não compreendo o corpo, essa armadilha, nem a sangrenta lógica dos dias, nem os rostos que me olham nesta vila onde moro."



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Partindo, de novo.....

A viagem sempre começa muito antes da saída da minha casa/pátria.

Dessa vez está sendo longa a preparação.
Minha mente está fantasiando o que encontrarei dessa vez. 
Vozes me cercam: Aziza, Mohamed, Aicha, Chrifa.... Saudades de todos os pequenos saharauis, cada criança, cada olhar, cada aprendizado. Tudo ficou guardado com tanto carinho, com tanta memória, que até assusta o regresso.
Não trabalharei como artista-educadora, mas como assistente de produção de um grupo de cinema que está montando um documentário, sobre ajuda humanitária pelo mundo: 'Estamos fazendo o certo?'.

Ô perguntinha danada... será que estou fazendo o certo?
Será que ir ao deserto, escrever sobre, trabalhar com as crianças pode alterar a vida delas? (a minha eu garanto que se transforma a cada conversa!)
O que podemos fazer que seja realmente efetivo para transformar a eterna relação "dominador e dominado"?
Como derrubar o muro que impede ver o outro? O outro tão perto, que vivem em barracos sem saneamento básico e sem água potável e os outros tão longe, que vivem em lonas (jaimas) sem uma única gota de chuva por anos, nas suas fontes tão secas.

Esse blog começou destinado a escrever somente notícias sobre a causa saharaui e a busca desse povo pelo desejo de retorno a casa/pátria, pelo fim do conflito com os marroquinos.
Depois virou uma espécie de diário de bordo, durante as viagens.
Agora ele virou um pouco de tudo, inclusive, o doutorado que estou escrevendo, uma forma também artística de compreender as fronteiras, as reais (como o muro saharaui) e as imaginárias.

Para quem ainda não sabe, o meu doutorado irá descrever processos teatrais que mesclam realidade e ficção, que partem de um fato real para a construção de uma ficcional, como é o caso do espetáculo "Exílius", parto de um assunto verídico, de um conflito armado, político, mas crio uma personagem ficcional, que metaforicamente vive num carrinho de mão repleto de areia, do qual nunca poderá sair. 

Front(eiras): dramaturgias entre a realidade e a ficção.
‘Front’ linha de frente nas batalhas.
‘sem eiras’ as eiras são chãos duros/firmes, utilizadas para secar produtos agrícolas, bem como também cumpriam uma função social, uma vez que proporcionavam um local onde podia decorrer certas cerimônias ou eventos públicos, tais como bailes ou missas. A importância da eira na vida das populações rurais era de tal forma evidente, que deram origem a vários toponímicos, e à expressão "sem eira nem beira", que significa destituído de tudo, numa alusão de como as eiras eram centrais na sua vivência.
‘Fronteiras’, portanto, como território de identidades múltiplas, do qual muitas vezes a linha divisória oficial de separação entre os espaços não corresponde à realidade mestiça e misturada dos que habitam esses locais.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Uma postagem por dia?



Ela prometeu: uma postagem por dia, ela falhou ontem...

Ela tem falhado com algumas coisas ultimamente....

Ela visitou a melancolia... achou engraçado como poderia sobreviver tanto tempo nela??

Ela decidiu escrever em terceira pessoa, pra ver se consegue olhar com calma, se encontra um caminho um pouco mais tranquilo, já que dentro tudo é tempestade.
Queria falar bonito como alguns poetas que conhece, mas não tomou tanto jeito assim com as palavras e com a ordem delas.

Fica aqui pensando, fantasiando dunas:
"Dunas nômades, mutantes, dunas dançantes, que são levadas com o vento, que são transportadas com o vento."

Fica aqui pensando, fantasiando tendas:
"Tendas coloridas, Jaimas coloridas, dançantes que bailam como saias ao vento sob seu amante de areia."

No fundo tudo é fantasia, tudo é ilusão....
Nem a morte é real.

E a memória é atualização daquilo que não é mais, é recriação. 
É aquilo que se deseja que tenha sido.


Strawberry Fields Forever

The Beatles

Let me take you down,
'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever.
Living is easy with eyes closed,
Misunderstanding all you see.
It's getting hard to be someone,
But it all works out;
It doesn't matter much to me.
Let me take you down,
'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever.
No one I think is in my tree,
I mean, it must be high or low.
That is, you can't, you know, tune in,
But it's all right.
That is, I think it's not too bad.
Strawberry Fields Forever
Let me take you down,
'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever.
Living is easy with eyes closed,
Misunderstanding all you see.
It's getting hard to be someone,
But it all works out;
It doesn't matter much to me.
Let me take you down,
'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever.
Always know, sometimes think it's me.
But you know, I know when it's a dream.
I think a "No," I mean a "Yes,"
But it's all wrong.
That is, I think I disagree.
Let me take you down,
'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever. Strawberry Fields forever,
Strawberry Fields forever, Strawberry Fields forever