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sábado, 26 de novembro de 2011

Quando a saudade é mais forte que o peito, a gente jorra, escorre feito leite quente esquecido no fogo.... borbulha e escorre....

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um número entre tantos

Acabo de ver "Só não tem quem não quer", curta dirigido por Hidalgo Romero, do qual tive o prazer de acompanhar um pouquinho antes de partir pra Itália em agosto de 2007.

Engraçado, como me tocou ouvir o Hidalgo falando durante o making off.
Claro, tudo nesse vida tem um tempo de maturação para o acontecimento.
Amadurecer para acontecer.
O filme dele tem o mesmo tempo do Exílius....

Vê-lo me faz lembrar e sentir o frescor de toda a esperança, de todo desejo que surgiu em 2007, de conhecer, de perceber e de perseguir o tema sobre os Saharauis. Eu nem sabia aonde habitavam essas pessoas, que vida tinham, como se comportavam, que crença, por que viviam como vivem.
Eu apenas havia conhecido uma garota, de 8 anos, num albergue qualquer no norte da Italia e me apaixonado por seus olhos e por nossa falta de comunicação no nosso total entender. Eu nunca mais ví essa garota, como provavelmente nunca mais verei o Amudi, o Mohamed, a Aziza, a Aicha, nenhum dos meus amigos marrons de cabelos lisos... nenhum dos militares que me ensinaram a agir com amor acima de tudo, amor ao companheiro de guerra e de cotidiano, amor as crianças que serão o futuro do planeta que vivemos e amor a Allah (seja esse quem for!).

Acreditar no fazer artístico como ação civil é o que me impulsiona hoje a experimentar, a degustar um fazer lento, um fazer que vem do pequeno gesto (como diria Veronica Fabrini).
O termo civil pro teatro que estou tateando hoje surgiu na Caulônia, durante o Festival de Teatro Civil, quando apresentei o Exilius - versão 1. Pareceu-me nesse momento mais honesto e mais cabível com meus impulsos, já que não sou filiada a nenhum partido e também não sei discorrer com profundidade sobre ações politicas do passado ou do presente, mas civil serviu-me, um teatro por um ideal, retratar no fazer um instante de nossa sociedade, sejam ela os saharaui, os assentados, os ninguéns de nossa atualizada...

Recortar suas histórias para falar de angústias que são "caras", que estão na minha face e que reconheço como parte de mim mesma.

Será mesmo que "só não tem quem não quer?"
E o que eu, que sou ninguém-alguém quero? Afinal, ao menos um número de Rg ou de passaporte eu sou, já os refugiados do mundo nem isso são verdadeiramente... Tenho um número que me constata como alguém dentre os 7 bilhões... Dentre 7 bilhões... Será que realmente sou? Qual a importância de ser alguém entre tantos? Que diferença faz no querer de tantos?

Mas, se desistirmos agora, alguém ninguém será por nós?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A memória e o sentir.

Dois meses!! Esse é o tempo que me afasta dos saharauis, além de 6.908km com um oceano no meio.

Enquanto o Silas preparava a nova trilha sonora pro espetáculo, era como se eu pudesse tocar as mãos de Aziza de novo. Pudesse sentir o seu cheiro, suas birras de menina, seu estado de alerta e de desejos.

Era como se eu revivesse naquele momento as chamadas de Chrifa de manhã, a tarde e a noite (sim, a noite inteira!). Ou ainda ouvisse o Mohamed “Elika”...

Como um som pode reavivar tudo isso dentro de mim? Como o tempo e o espaço podem ser quebrados, como cristal, somente por escutar uma gravação? Atualização de tudo o que vivi.

Sinto falta do silêncio preenchido, de caminhar na beira da praia com Aicha.

Sinto falta da resistência que tínhamos em seguir em frente, de compartilhar com eles essa resistência, esse facho de vida, que me tomou pelas mãos e me transformou!!
Que me libertou de milhares de medos, de um passado anterior à eles, que agora nem faz mais sentido, que não sobreviveu nem como memória, que nenhuma violência ao meu corpo hoje é representativa, porque esse encontro me mostrou a força acima de tudo, acima do bem e do mal, acima de todos que se aproximam, uma razão pela qual se viver, se celebrar o “existir”.

É preciso celebrar a existência de cada instante, de cada momento, de cada dor, por que pode realmente ser o único.

Quando soube do falecimento de um garoto, adolescente, durante um protesto, chorei feito bebê, sentada sozinha nessa mesma escrivaninha, sabia aonde me metia, mas, agora, eles deixaram de ser um povo, um bloco, tornaram-se pra mim pessoinhas lindas, com nome, com presenças, com memórias, com canções, com celebrações.
Depois que passou o meu susto/apego, cantei, porque era a coisa mais importantes pra ele: morrer pela libertação do Povo Saharaui, tenho certeza que esse menino sabia aonde estava e os riscos que corria e sabia que fazia por um ideal.

Não acredito na guerra como meio, nem como fim. Não acredito na mudança através das armas, mas acredito nos nossos ideais, enfrentar um tanque de guerra, para tornar realidade aquilo que se crê. Eu nunca havia visto ou sentido tão perto a guerra. Não sabia o som e o cheiro que ela tem. Essas pessoas me mostraram a cara delas, as cicatrizes nos seus corpos, a força de crianças criadas na areia, nos assobios, nos escombros e nas cestas básicas que 'voam' da Onu.

Alimentamos os seus corpos, mas não alimentamos a sua libertação.
Um referendo pode colocar um fim nisso tudo, mas quem deseja o fim daquilo que está tão distante de nós?

Algum “efeito borboleta”, alguma pólvora nos atinge aqui do outro lado do oceano?

Sou afetada hoje apenas pelas imagens que me chegam, das noticias que o Mulay e o Deid me mandam.
O conforto da minha casa, de pessoas que falam a minha língua, das roupas e dos cheiros que eu conheço muito bem, protegem-me delas.

Mas, fica em mim um desejo, nesse novo momento, desse recomeçar: de compartilhar com um grupo o existir, de dar as mãos à outras pessoas que acreditam numa mudança através da arte, retomo em mim a utopia de crer num Teatro Civil.

Continuo escutando as crianças que me fizeram acreditar na disposição de seguir acima de tudo.