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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011



Resistimos porque foi assim que aprendemos...
Que apesar de todos os pesares, nossos pés ainda estão no chão.
Nossa cabeça ainda está sobre o pescoço.
Nosso coração continua batendo.
Nossa mente continua trabalhando.

Tá chegando o fim de 2011, com ele, o ano mais movimentado de minha vida, o ano de maior revolução/evolução...
As últimas notícias do saharauis chegaram por facebook, por e-mail, por skype e por sonhos

Nesse semestre, do outro lado do oceano, só se falou da crise européia, da revolução no mundo árabe.

Aqui no Brasil falamos da Copa do mundo, das primeiras damas.
De Campinas, a dança das cadeiras na prefeitura, secretario que vai, secretario que vem, teatro que não vem, espaços que fecham suas portas, teatro interditado.

Hoje, o jornal da manhã publicou a morte do imperador Norte-coreano Kim Jong-II e do ex-presidente Checo Vaclav Havel, saída das tropas americana do Iraque.
Ontem, as notícias eram a morte de Joãozinho Trinta, Sérgio Brito e Cesaria Évora.
O céu parece cheio ultimamente....

Mas, acho melhor nem contabilizar a quantidade de mortos das guerras, os números podem assustar, afinal é final de ano, tempo de paz, de perdão, de esquecer, de passar por cima de tudo o que foi, como diria a Cassiane Tomilhero:

"É foda mesmo, tem cachorrinho que morre espancado por ignorância e intolerância humana!!!
Pelo mesmo motivo tem crianças morrendo de fome no Brasil, tem outras crianças morrendo na guerra civil em muitos países. Tem gente morrendo por falta de uma política descente na saúde. Tem muro que separa gente, tem campo minado que decepa vidas, tem milhares de mortos no trânsito das cidades, tem criança sem direito à educação porque a verba foi desviada. E pelos mesmos motivos, e ainda por ganância e desejo de poder, tem uma mídia que nos faz esquecer disso tudo, nos tira a capacidade crítica de entender este processo e nos torna um monte de gente passiva e repetidora de frases de efeito, um monte de falsos "engajados". Perdemos muito do senso e da coragem e agora só somos capazes sair em defesa do cachorrinho morto.
Mas afinal, é natal... vamos às compras!!!" 

* a foto é do Muro do Teatro Útero de Vênus, local que ainda resiste em Campinas!

19 de dezembro

Enquanto espero novas notícias, resumo e acrescento uma das noticias recebidas pela Jaima Sahrawi:

Para o povo saharaui, a situação encontrada nesses primeiros dias de dezembro é a mais tensa que já se viu desde 1991. 
O XIII Congresso da Frente Polisário, (15-19 dezembro) discutirá as ações e o futuro da causa saharaui. O argumento é: pegar em armas ou não.

Forçados a viver num campos de refugiados na Argélia desde 1975, devido à ocupação marroquina ilegal do Sahara Ocidental, a população saharaui está enfrentando uma encruzilhada que pode mudar radicalmente o futuro da região. 

Após anos de negligência da luta armada , em 1991 houve o cessar-fogo estabelecido pelo plano de paz da ONU MINURSO (destinadas a alcançar a auto-determinação do Sahara Ocidental no território disputado entre Marrocos e a República Saharaui) - o movimento assumiu como eficaz a luta por meios pacíficos.

O que acontece nesse momento, é que os líderes da Frente Polisário já não são capazes de conter o movimento jovem atual, que frustrado por anos de fracasso e negligência das negociações internacionais, vê na luta armada a única solução para recuperar o controle efetivo do território.

A restauração da luta armada traria consigo consequências significativas em termos de política, social e econômica. Voltar para a violência original seria um distanciamento muito grande da causa saharaui e de muitos ativistas internacionais que até agora têm apoiado esse povo, justamente por sua natureza pacífica. 

A discussão de um tema tão controverso e perigoso não poderia ter vindo em pior hora, quando houve o sequestro de três ativistas humanitários em outubro, num acampamentos de refugiados saharauis na Argélia Rabun (1 italiana – Rossela Urru e 2 espanhóis da Associação Amigos del Pueblo Saharaui), esse fato dramático abre uma nova fase do conflito no Sahara Ocidental.
Um incidente violento tão inesperado, complica o cenário de uma forma irreversível. 
Se acrescentarmos que essa frente radical do povo saharaui não possa esperar para pegar em armas, o resultado é um barril de pólvora pronto para explodir.

A RASD e a Frente Polisario imediatamente após o rapto, começaram a trabalhar com as autoridades responsáveis ​​pela libertação de prisioneiros. 

A restauração da luta armada só beneficiaria o reino marroquino, dando legitimidade à interferência da França e da Espanha como garantia da segurança na região. Esse cenário levaria a um inevitável isolamente da República Saharaui.

Tudo o que resta é esperar e torcer para que o XIII Congresso decida que a "não violência" continue a ser o carro-chefe da luta da Frente Polisário. 
Acreditar ainda na diplomacia para relações internacionais pode ser somente um sonho, cultivado por mim a distância do conflito. 

Poucos dias atrás, 30 de novembro, a ativista Aminetu Haidar foi premiada com o Rene Cassin, prêmio dos Direitos Humanos (edição 2011) por sua luta pessoal em favor do povo saharaui. A luta que, por tantos anos, pagou com sua vida em prisões no Marrocos, bem como com graves danos físicos e com a famosa greve de fome no aeroporto de Lanzarote.


sábado, 26 de novembro de 2011

Quando a saudade é mais forte que o peito, a gente jorra, escorre feito leite quente esquecido no fogo.... borbulha e escorre....

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um número entre tantos

Acabo de ver "Só não tem quem não quer", curta dirigido por Hidalgo Romero, do qual tive o prazer de acompanhar um pouquinho antes de partir pra Itália em agosto de 2007.

Engraçado, como me tocou ouvir o Hidalgo falando durante o making off.
Claro, tudo nesse vida tem um tempo de maturação para o acontecimento.
Amadurecer para acontecer.
O filme dele tem o mesmo tempo do Exílius....

Vê-lo me faz lembrar e sentir o frescor de toda a esperança, de todo desejo que surgiu em 2007, de conhecer, de perceber e de perseguir o tema sobre os Saharauis. Eu nem sabia aonde habitavam essas pessoas, que vida tinham, como se comportavam, que crença, por que viviam como vivem.
Eu apenas havia conhecido uma garota, de 8 anos, num albergue qualquer no norte da Italia e me apaixonado por seus olhos e por nossa falta de comunicação no nosso total entender. Eu nunca mais ví essa garota, como provavelmente nunca mais verei o Amudi, o Mohamed, a Aziza, a Aicha, nenhum dos meus amigos marrons de cabelos lisos... nenhum dos militares que me ensinaram a agir com amor acima de tudo, amor ao companheiro de guerra e de cotidiano, amor as crianças que serão o futuro do planeta que vivemos e amor a Allah (seja esse quem for!).

Acreditar no fazer artístico como ação civil é o que me impulsiona hoje a experimentar, a degustar um fazer lento, um fazer que vem do pequeno gesto (como diria Veronica Fabrini).
O termo civil pro teatro que estou tateando hoje surgiu na Caulônia, durante o Festival de Teatro Civil, quando apresentei o Exilius - versão 1. Pareceu-me nesse momento mais honesto e mais cabível com meus impulsos, já que não sou filiada a nenhum partido e também não sei discorrer com profundidade sobre ações politicas do passado ou do presente, mas civil serviu-me, um teatro por um ideal, retratar no fazer um instante de nossa sociedade, sejam ela os saharaui, os assentados, os ninguéns de nossa atualizada...

Recortar suas histórias para falar de angústias que são "caras", que estão na minha face e que reconheço como parte de mim mesma.

Será mesmo que "só não tem quem não quer?"
E o que eu, que sou ninguém-alguém quero? Afinal, ao menos um número de Rg ou de passaporte eu sou, já os refugiados do mundo nem isso são verdadeiramente... Tenho um número que me constata como alguém dentre os 7 bilhões... Dentre 7 bilhões... Será que realmente sou? Qual a importância de ser alguém entre tantos? Que diferença faz no querer de tantos?

Mas, se desistirmos agora, alguém ninguém será por nós?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A memória e o sentir.

Dois meses!! Esse é o tempo que me afasta dos saharauis, além de 6.908km com um oceano no meio.

Enquanto o Silas preparava a nova trilha sonora pro espetáculo, era como se eu pudesse tocar as mãos de Aziza de novo. Pudesse sentir o seu cheiro, suas birras de menina, seu estado de alerta e de desejos.

Era como se eu revivesse naquele momento as chamadas de Chrifa de manhã, a tarde e a noite (sim, a noite inteira!). Ou ainda ouvisse o Mohamed “Elika”...

Como um som pode reavivar tudo isso dentro de mim? Como o tempo e o espaço podem ser quebrados, como cristal, somente por escutar uma gravação? Atualização de tudo o que vivi.

Sinto falta do silêncio preenchido, de caminhar na beira da praia com Aicha.

Sinto falta da resistência que tínhamos em seguir em frente, de compartilhar com eles essa resistência, esse facho de vida, que me tomou pelas mãos e me transformou!!
Que me libertou de milhares de medos, de um passado anterior à eles, que agora nem faz mais sentido, que não sobreviveu nem como memória, que nenhuma violência ao meu corpo hoje é representativa, porque esse encontro me mostrou a força acima de tudo, acima do bem e do mal, acima de todos que se aproximam, uma razão pela qual se viver, se celebrar o “existir”.

É preciso celebrar a existência de cada instante, de cada momento, de cada dor, por que pode realmente ser o único.

Quando soube do falecimento de um garoto, adolescente, durante um protesto, chorei feito bebê, sentada sozinha nessa mesma escrivaninha, sabia aonde me metia, mas, agora, eles deixaram de ser um povo, um bloco, tornaram-se pra mim pessoinhas lindas, com nome, com presenças, com memórias, com canções, com celebrações.
Depois que passou o meu susto/apego, cantei, porque era a coisa mais importantes pra ele: morrer pela libertação do Povo Saharaui, tenho certeza que esse menino sabia aonde estava e os riscos que corria e sabia que fazia por um ideal.

Não acredito na guerra como meio, nem como fim. Não acredito na mudança através das armas, mas acredito nos nossos ideais, enfrentar um tanque de guerra, para tornar realidade aquilo que se crê. Eu nunca havia visto ou sentido tão perto a guerra. Não sabia o som e o cheiro que ela tem. Essas pessoas me mostraram a cara delas, as cicatrizes nos seus corpos, a força de crianças criadas na areia, nos assobios, nos escombros e nas cestas básicas que 'voam' da Onu.

Alimentamos os seus corpos, mas não alimentamos a sua libertação.
Um referendo pode colocar um fim nisso tudo, mas quem deseja o fim daquilo que está tão distante de nós?

Algum “efeito borboleta”, alguma pólvora nos atinge aqui do outro lado do oceano?

Sou afetada hoje apenas pelas imagens que me chegam, das noticias que o Mulay e o Deid me mandam.
O conforto da minha casa, de pessoas que falam a minha língua, das roupas e dos cheiros que eu conheço muito bem, protegem-me delas.

Mas, fica em mim um desejo, nesse novo momento, desse recomeçar: de compartilhar com um grupo o existir, de dar as mãos à outras pessoas que acreditam numa mudança através da arte, retomo em mim a utopia de crer num Teatro Civil.

Continuo escutando as crianças que me fizeram acreditar na disposição de seguir acima de tudo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Manifesto da Verônica Fabrini, compartilhado!

Manifesto do teatro pré apocalíptico tem cinco pontos básicos (5 é o número do humano, o pentagrama, os 4 elementos + o quinto que é o amor que todo pode unir):

1. A desaceleração do tempo (devagar, despacio, slow is good!) -
Tempo para pensar, tempo para contemplar, tempo para sentir. Tempo é presença

2. O Re-encantamento do mundo
O mundo é muito maiss do que parece. Em uma coisa há muitas outras coisas.
O mundo tem seu duplo encantado. Tudo tem alma.
Se a gente olha tudo de um jeito vagaroso, tudo é sagrado.

3. A potência do pequeno gesto, do "menor" :
Contra o mega: as mega produções, os mega supermercados, as mega plantações, os mega milionários. Voltar as dimensões humanas.
Cercar o pequeno. Crer na potência do "menor". A potência do pequeno gesto: as ações mais simples, que parecem sem importância nas dimensões gigantescas de tudo, são extremamente importantes, fundamentais e geradores. Crer na potência dos pequenos gestos.
Tudo começa de forma simples.

4. Apaixonar-se pela diferença:
É preciso amar a diferença, respeitar, ser curioso com tudo aquilo que é diferente. Diversidade! Viver e amar a diversidade! Não tenho tudo, não sei tudo, em certo sentido, não me basto. O outro sempre me acrescenta, me completa, me desafia.

5. O encontro ao vivo, corpo a corpo: 
Nada é mais potente que o corpo. O corpo somos nós por inteiro. A presença do outro me afeta, me diz coisas. É preciso estar lá, ao vivo. Encontrar-se com as pessoas, com os lugares, com o mundo real, para acreditar que ele existe, que ele está aí, que estamos nele. O encontro ao vivo, a presença ao vivo nos faz voltar a acreditar no mundo, na simplicidade e fragilidade do mundo...essa bola azul, flutuando num espaço infinito, realmente infinito.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Clipe Espetáculo


Processo é sempre processo, mas precisa ser registrado!!! 
Exílius em processo, em reformulação, em eterna revisão!!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu ando cheia de inutilidades....
no medo de me enfrentar exilei-me de mim mesma.

domingo, 2 de outubro de 2011

O menino de dentro de mim me veio de volta montado num tanque de guerra.

Ajeitou o canhão e apontou pro coração.

O Menino atingiu o dentro da circulação.

Buraco de Menino não cicatriza, deixa passar brisa enviesada.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Aos além mar...

Fecho os meus olhos para 48 outros pares de olhos se abrirem dentro de mim.

O muro não separa aquilo que não se pode ver, mas existe!! A Alma do mundo ultrapassa limites.

O muro não impediu o sol ardente sobre a pele já rachada da secura do deserto.
Não impediu que conhecessem o mundo, que encantassem outras pessoas, que trouxessem suas alegrias tão verdadeiras e dadas de graça ao universo que era tão pequeno do lado de cá desse oceano.

Minas matam, metralhadoras matam, mas a ignorância e o desprezo também matam. E às vezes matam mais que as armas inventadas pelas mãos humanas.

Não aprendemos a cuidar dos nossos jovens, nem aqui nem lá....

Não aprendemos que a diferença alimenta... eliminamos a diferença...

Esquecemos de dar as mãos, achamos que podemos caminhar sozinhos. Não podemos!! A mudança só acontecerá quando tudo mudar, quando o respeito pelo planeta mudar... respeitar o planeta e os habitantes dela.

Ideal de libertação: de almas, de corações, de religiões, de cores, de costumes, nada nos possui, mas tudo nos contamina!!
Abrir espaço para as boas contaminações, para plantarmos flores e não minas.

Uma homenagem ao ultimo ataque dessa semana no Sahara Ocidental, pelo abraço que não posso dar aos amigo além mar:
http://www.youtube.com/watch?v=rlZF2Vmca9s&feature=player_embedded

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Exílius em Campinas

Bem, dia 23 de Setembro tem Exílius no Vaudavila, no Ponto de Cultura Boa Companhia-Companhia Sarau!!


Para saber mais: www.boacompanhia.art.br

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Lugares para onde ir:

Aonde não se seja vista,
aonde a vista se perca de vista,
aonde o ambar cobre a sombra,
aonde o canto adormece com sonho,
aonde o trem só tenha ida e leve sempre pra frente,
aonde o desconhecido tem sabor de caramelo,
aonde o silêncio não vire poço,
aonde Iemanjá não me perca,
aonde você não me esqueça.

Manual de sobrevivência

Estratégias para matar o tempo:
  • Degustar um bom vinho pagando quase nada.
  • Ver os pingos de chuva na janela.
  • Pegar frutinhas no quintal da Sula.
  • Ver a chama das velinhas que ficam na janela.
  • Cigarro na janelinha.
  • Contar o tempo das coisas vividas em horas. Pode ser em minutos se a ansiedade for demais.


    Saldo em horas da pesquisa:
  • Dentro de trens: 72 hs.
  • Dentro de aviões: 34hs.
  • Dentro do Centro esportivo: 100hs
  • Em viagens com as crianças: 288hs
  • Crianças trabalhadas diretamente: 27
  • Novos amigos: 8
  • Reencontro com amigos velhos: 6
  • Na net: 120hs
  • Ansiosa: de perder de vista.
  • Com medo: 26hs
  • Desesperada: 24hs
  • Felicidade absoluta: 202hs
  • Curso: 48hs
  • Lágrimas: 12hs, o Osvaldo vai dizer que é muito mais, mas não é verdade, eu contei.... rs.
  • Incertezas: 1.728hs

Estratégias para matar a saudades:
  • Música que não sai da cabeça, vale canta-la ou ouvi-la cerca de 20 vezes seguida.
  • Lembrancinhas bregas compradas em qualquer lojinha pensando...
  • Mandar um oi na mensagem do celular.
  • Pensamentos livres, que te levam até algum lugar onde se pode censurar.

Saldo fisico:
Nariz trincado,
Polegar esquerdo machucado.
Marca de biquini (Saharauis amam piscina!)
Cabelo super seco.
Dentes manchados: de café, chá saharaui, cigarro e agua estranha que mancha tudo, inclusive roupas!

Saldo financeiro: melhor pular esse item!


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A gente sempre dá um jeito de matar o que nos 

mata: o tempo e a saudade!!!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Vamos lá que viciou


De repente escrever tornou-se necessário, pra passar o tempo, pra passar a ansiedade, pra passar a nostalgia, a saudade, pra entender uma nova possibilidade de pesquisa, pra colocar em ordem toda a bagunça da minha vida.

Eu não me reconheço, reconhecendo-me.
Continuo a mesma rabugenta de sempre, a mesma mau humorada do café da manhã, a mesma capricorniana estranha, cheia de manias e de medos.
Dentro do tudo igual, tudo é diferente.

Fecho os olhos escuto Aziza, Aicha, Ehmoud, Amudi, Deid, Mulay, Nana, Mohamed... Sonho com o canto secreto dos árabes, com tudo aquilo que não pude entender, com tudo aquilo que não tive coragem de sentir.

Tenho mais competência com o azedume do desconhecido do que com o carinho do velho conhecido.

Dei de ter parceria com a solidão.
Dei de ter parceria com o silêncio.
Dei de ter parceria com o não entender.
Dei de ter parceria com os textos que sempre tive vergonha de mostrar pra outras pessoas.
Dei de ter parceria com os Santos, sem perder o São Paulo de vista... rs.
Dei de ter parceria com o descompromisso.
Dei de ter parceria com a utopia.
Dei de ter parceria com o teatro de novo.
Dei de ter parceria com um velho conhecido meu: o desejo!

Parecência comigo mesma.
“Cuidado com a culpa que não é sua!”. Compaixão ou piedade? Foi um amigo que me disse.

Expectativa: já não queria mais parar, já não queria mais territorializar, já não queria mais fixar, a liberdade dos acontecimentos.

Elas em Jaimas, na companhia dos seus, em situações que bem conhecem, em situações pelas quais seus pais lutam.
Em situações pelas quais muitas delas nem entendam por que, mas se fazem na guerra, mas se fazem na busca de um novo mundo.

O mundo dividido.
O mundo que todos já disseram: “O mundo é uma parabólica, estrada que dói”.

Assim seguimos separados, mas juntos, tão juntos na memória fantasia, na memória civil, acertando os pontos do relógio do fazer, redescobrindo uma nova forma e uma nova situação para fazer do teatro um elo de contato e de contágio.  

sábado, 20 de agosto de 2011

Foi assim...

Foi assim, sem choro nem vela.

Aeroporto lotado, 58 crianças, 6 educadores, um bando de gente da Associação.

Ultimo dia: dar de comer, pipi, caca, não quero falar com você, Ibrahim, Saharaui, casa. 

Você Brasil hoje?
Eu Saharaui hoje?
Não me beija, não!!

"Posso trocar de camiseta? 
  Por que Aziza?
  Quero por a Camisa do Brasil.
  ... Pode!"

O embarque: correria, descer com as malas, correr pra pegar o elevador que travou, quando chegou elas já tinham entrado, foram, assim, como sonho que se vai, foram simplesmente.
Achei que tinha sonhado com tudo isso.
Que nada tinha acontecido.

Que a fantasia que fazemos sobre as coisas é mais bela que as coisas em si.
Que a nostalgia que fica é um tempo que não é meu.
Mas que também é meu...

Um lugar especial, ninguéns-alguéns especiais.
Um lugar pra nós, porque não temos cor, não temos raça, não temos pátria, somos ninguéns esperando por outros ninguéns que andem do nosso lado e que nos dê um sorriso, quem sabe fume um cigarro com a gente, quem sabe beba um drink junto, quem sabe somente fique em silêncio em marcha na beira do mar, quem sabe...

A benção...



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O último dia

Eu só acredito num mundo de mudanças reais, se rompermos com as fronteiras, se acreditarmos que podemos fazer diferente, por que somos homens e habitamos o Planeta Terra.

Somos iguais.

A revolução só pode acontecer quando aceitarmos que nenhum é maior que o outro perante a natureza, que somos harmonia, que dependemos um do outro, da mosca ao homem, do micro ao macro.

A vida em refúgio, um objetivo diferente pra se viver, falo dos saharauis, dos 27 somalis que chegaram num porto qualquer do sul da Itália, que pude saber no exato momento que chegavam.


Cada mudança de tom, como o mar que mudar de cor conforme se afasta da costa.

Aonde eu estava esse tempo todo??

Uma força tremenda pra reassumir a vontade de fazer um teatro "Civil", sem medo.
Gostei da palavra Civil, que usam na Calabria, teatro político sempre me pareceu estranho. Civil parece apartidário, a favor de ideais civis, de um povo, de uma estória.

Como disse o Deid, os pequenos são nosso futuro, o futuro do nosso planeta, precisamos aprender a educá-los de forma diferente, seja fazendo filhos de bem ou seja como educadores, como atores, seja como for. FAÇAMOS!

Aqui, pude ver de verdade o que é “Associação”, pela primeira vez, o que é “cooperativismo”. A gente não pode se disfarçar, ou fazemos ou o negócio não da certo.
Ou damos as mãos, dentro de todas as dificuldades ou perdemos parceiros no caminho, e perder nunca é bom, nem pra quem ganha, é melhor andarmos juntos.

Estou na minha casa coração, estou em paz com o coração.

Aprendi a ver como é bonito os muçulmanos fazendo a pregação,  vejo o islamismo com outros olhos, o tempo pára pra eles orarem.
Vai lendo: as crianças que estavam correndo, bricando, brigando, fazendo mil coisas, de repente páram e começam, tudo pára, como é mesmo aquela lei da fisica, que não entendo, mas tudo pára? Tudo é relativo agora: a culpa, o medo, os desafios.

Escrever assim parece que foi tudo só beleza, foi duro pra caralho!!!

Mas valeu apena cada momento, cada riso, espero retornar em breve!!

E salve todos os anjos da guarda, todos os santos e filhos de santos que não me deixaram sozinha aqui, que se fizeram presente em cada mensagem, em cada socorro.

A gente nunca vai saber quem realmente cuidou de quem.

Assim termina a primeira experiência, com apresentação do "Exílius" essa noite em Reggio Emília, com um coração cheio de desejos e de novas descobertas.



domingo, 14 de agosto de 2011

Matando saudades de mim


A Italia é assim: sempre que estou aqui é como se eu descobrisse algo mais sobre mim mesma. Vai ver mato saudades de todos os que vieram antes de mim nessa terra, quem vai saber??

Trabalhar com tantas pessoas queridas, reencontrar tantos anjos da guarda no meio do caminho: Sabine Uitz, Paolo Cattaneo e Remo.
Encontrar novos parceiros lindos: Roberta (a parceira viajante do Exilius!), Giorgia, Maria, Ehmoud, Giorgio, Ester, Beth, Francesca, Federica, Caterina, Fabiana, André, Enzo, Nikola, Hilário, Zia Maria e tanta outras gentes que fazem do voluntariado a sua vida, que fazem da idéia de Cooperativas uma realidade, que entendem que arte e ciências sociais podem casar perfeitamente.

Nem precisa vir aqui pra relembrar que o Paolo é um dos culpados pelo Exilius existir, mas é bom lembrar, suas fotos, sua arte, despertou em mim o desejo de fazer essa pesquisa.

O Centro Polesano, na Badia Polesine-Padova, é mais que um centro de documentação, é um centro de denúncia de todas as formas de abusos do poder do homem no mundo, lá se encontram milhares de livros sobre o tema, lá se encontra o Festival Del Popoli, que trata com propriedade e liberdade artística de temas, que merecem serem mexidos, mas que muitos têm medo de fazer, por que não parecem contemporâneo, mas são!! O tema do festival esse ano foi a Quimica da Palavra: “A paz armada”, por exemplo. Além da seriedade do trabalho desse centro, ele mantém uma receptividade inigualável, recebe as pessoas com um carisma inacreditável, nos fazem sentir-se em casa.

O Via Rosse Teatro, Vighizzolo D'Este-Padova é sempre um presente, um lugar de refúgio, aonde eu posso organizar, pesquisar e tornar cena todas as experiências vividas aqui e ali. No meio de um campo, repleto de verde e de muito vinho, tudo vai sendo criado, recriado. “ A novidade que tem no brejo da cruz...”

A Associação Jaima Saharawi de Reggio Emilia, tem a coragem e um pouco de cara de pau, trazer pra Italia e sustentar essa ideia por tanto tempo 40 crianças saharauis que precisam tudo, inclusive o básico: assistência medica e odontológica. As viagens e as aulas que elas fazem aqui vêm de vale-brinde, pra elas tirarem umas férias do deserto, que nesse período do ano o calor chega a 50 graus. Essa associação vive de voluntariado e de um trabalho árduo durante todo o ano.

Conheci o Grupo Utopia, um Centro de Cooperativas na Caulonia-Calábria, que trabalha com a ideia de uma economia sustentável (web, reciclagem, artes, plantações e turismo responsável), uma nova forma de ver o consumo (que eu ainda preciso de alguns anos pra conseguir me inserir), um centro de resistência e refugio a tantos que chegam de lugares distantes, num porto qualquer perdido no Sul da Italia, um centro de resistência e denúncia da Mafia.

Claro, tudo sempre mais bonito quando se vive o ano todo, mas despertar pra uma nova forma de pensar a arte é uma responsabilidade grande no desejo de mudança, de uma nova forma de fazer, mais limpa, mais parceira, mais sem medo que tudo pode dar errado, mas que também tudo pode dar muito certo!

Quanto ao povo Saharaui... esse vale uma vida pra descrever o que eles nos ensinam.

Exillius na Caulonia


Os números do mundo


2,8 milhões de pessoas vivem com menos de 2 dollares ao dia, sendo que 1,2 milhões vivem com menos de 1 dóllar ao dia.
Todo dia 30 mil crianças morrem de doenças que poderiam ser previnidas.

Crianças em idade escolar que não vão a escola, cerca de 113 milhões, sendo que 60% dessas crianças que não vão a escola são meninAs.
Na Nigeria, a taxa de alfabetismo é de 15, 3% , Bukina Faso é de 23%, Etiopia é de 37,4% e assim vai...

Enquanto isso os homens que foram considerados os mais ricos: Bill Gates, Lawrence Elleison e Warren Buffet, recebiam ao ano, o equivalente ao Produto Interno Bruto dos 48 países mais pobres do mundo.

Os números da malária, da gripe, da Aids, do câncer, da desnutrição, da obesidade, da violência doméstica, da mafia, das guerras civis, das guerras religiosas, de tudo isso, eu não sei. Você sabe? Nós queremos saber?

É a globalização minha gente....
Somos iguais perante a Deus, não é isso?
Somos iguais em quê?
Somos iguais a quê?


Tudo sempre pode acontecer...


Tudo sempre pode acontecer, inclusive você tocar um dedo na felicidade.

Calábria, Caulonia, que belo lugar pra conhecer belos artistas e viver a experiência de ouvir Janis Joplin, subindo a colina com um bando de cinquentão recordando um tempo que não conheci e nem vivi. De repente, eu era a mascote do grupo.

Primeira noite que participei do Festival, teve a apresentação do espetáculo da Caterina, “Rosas do Deserto”, sobre as mulheres saharauis, com algumas projeções do Campo de Refugio e da Marcha Verde. Pronto, lembrei o que eu estava fazendo aqui, nem preciso dizer que comecei a chorar.

Segundo dia era dia de fazer “Exílius”, mas era tbém dia de um importante matrimonio aqui, toda a cidade estava empenhada de andar ao matrimonio, apresentei para 15 pessoas, sendo que 7 eram do festival, ao mesmo tempo uma sensação de vazio, mas desse total, 5 pessoas saíram do teatro realmente tocadas, emocionada, o que já mudou o meu ponto de vista.
Claro, na companhia de Fabiana, André, Enzo, Nikola, Roberta e Caterina, depois do espetáculo é a hora da bebedeira. Comemos e bebemos, falamos de tudo um pouco, filosofamos sobre a função da arte, sobre a função da vida, sobre Janis Joplin, sobre viver longe do seu país, sobre o brasil, sobre religião e sobre tudo o que vinha a mente. Eu realmente me sentia em casa, livre de preocupações.

Terceiro dia, espetáculo da Fabiana e do André e encerramento do festival aqui, claro depois do espetáculo, bebedeira, depois do espetáculo falar um monte, sentar numa mesa fora, servida na janela de uma casa, uma pasta deliciosa.

De repente, eu estava no mar, nadando no Mar Jonico, bebendo uma cerveja, comendo um risoto de funghi, esquecendo um pouco de tudo o que havia acontecido até agora, não sabia se sonhava agora ou se sonhava antes...

Quarto dia, folga total, mas incrivel, de repente uma insonia sem fim, acordei torta, acordei virada, acordei sei lá o que...
Roberta e eu saímos pra ir a praia, recebemos uma ligação ruim. Lembrei pela segunda vez o que faço aqui, amanhã retorno pra ficar com as crianças, vontade de correr, de gritar, de berrar, de sei lá o que... raiva profunda... É hora de voltar.

Ok, não posso voltar, não tem vaga nos trem antes, continuo na praia, o dia todo, sem sair, numa união perfeita entre o mar, a areia e a companhia da Roberta.

Ficamos sentadas olhando o mar por 6hs, o ciclo da maré.

O sol se pondo, a lua subindo.
Eu aqui, os meninos no sul, os amores em outro continente, uma sensação maluca de liberdade, de voltar a ser criança, começamos a fazer mil fotos, éramos as melhores amigas de anos, fotos, estrelas cadentes, risos, jantar na beira do mar, vinho, de onde eu vim mesmo? Cabeça vaga, vixi, cabeça com muito vinho.

Cantar e cantar...

Começar a falar tudo de novo, a viagem ao campo, a beleza de não ganhar dinheiro, mas conhecer o mundo, vontade de comer chocolate, regredidas, utopias de um novo mundo, o Campo virou algo real, as pessoas se tornaram reais, o que antes era literatura, agora é gente de verdade, gente de força e de raça. Gente que tem coragem de andar, sem nada, no calor de 50 graus....

Dividida entre o desejo, a liberdade, o medo, a ansia e a revolta.
Dividida entre o lado de lá e o lado de cá.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

No trem...


Ok, pra chegar a Calabria há tempo de fazer o espetáculo não haviam mais postos sentados, compramos assim mesmo, sem nos dar conta de que seriam 16hs nesse trem.

Entramos, num vagão errado, na Bologna nos mandam sair, me perco da Roby com todas as suas coisas, sem celular pra ligar, um frio desgraçado na barriga, medo infantil de ficar sozinha sem todas as minhas coisas, sem passaporte.

Olha, uma calça rosa passa, é ela, grito, pulo no trem, quase em movimento.
Arrumamos um lugarzinho no chão, deitamos pra dormir, repousar ao menos, se é que é possível, olho na minha frente um casal de Punks, bêbados com uma garrafa de cerveja na mão, com um cão sentado numa poltrona... ok, respira fundo e começa a rir, afinal quem mandou pesquisar o tema do exilio, da clandestinidade, vai viver pra ver.

Depois de umas 3 hs, esse mesmo casal saí com o cão, obaaaa, roubamos a vaga.

Éramos 6 pessoas na cabine, mas sempre cabe mais um.
De repente a vida privada se torna publica, ajeita de um lado, ajeita do outro, um casal de namorados na minha frente, decidimos todos deitar de colherinha, pra caber todos na vertical.
Sol raiando, abro os olhos bêbada de sono, É O MAR, um mar lindo, como ainda não tinha visto aqui, o sol sobre o mar numa união perfeita, é incrível.

Isso é Road Movie! Medita, respira, um ronca, outro não fecha os olhos, minha vida na cabeça, as pessoas que já foram, as pessoas que estão chegando, eu aqui, eu em qualquer lugar, cabeça no Campo de Refugiados, desgraça de ideia essa... Eles voltam, nós partimos, nós diferentes, nós em algum lugar. Tanto nó na cabeça, vontade de cortar o cabelo agora, raspar o cabelo. Mudar tudo.

De repente fome, um abre um biscoito, o outro traz a água, o lanche compartilhado.
Uma sede que não passa, pé inchado, outros rostos entram e saem, e a gente continua aqui.

Alguém pergunta: - O que faz uma brasileira na Calabria? - Um espetáculo sobre o Saharaui.

Risos. Muitos risos. É a globalização minha gente, é cosí.
Passaram 14hs, xixi q vem, xixi q vai...
Trem pior do que eu pegava pra trampar em Pirituba.
Eu aqui..

Uma mensagem, um pensamento, vontade de ligar pra alguém e conversar em português.

Vira de um lado, todos devem virar junto.
Olho para o vizinho, o cabelo que vai deixando o gel escorrer.
O desodorante que vai vencendo, o calor aumentando, a ansiedade aumentando.
A imaginação rolando solta.
Balões azuis, vermelhos, verdes, amarelos.
É o sono, o Ney cantando pra mim.
A paisagem a paisana.
Casas antigas, velhas, muito velhas.
Taranto, Cutro.
De um lado montanha, do outro o mar.

Oxossi do arco e flecha...
É rainha do mar.

Pensar sem parar pra escrever pra ninguém, quem gostaria de ler historias de ninguéns?

Eu tomaria uma Coca agora.
Mas, uma Coca Zero.
Mas, bem que podia ser uma agua de coco.

La fora o mar me olha, um degradê um incrível, que vai se azulando, virando oceano.
O Sol é implacável na minha cara.
A Africa tão perto de mim, vontade de sair nadando, bater a mão do outro lado.

Vontade de nunca mais voltar pra mim.
Vontade de colocar os pés pra cima.
Pensar sem parar pra escrever pra ninguém, quem gostaria de ler historias de ninguéns?

Começo a não entender mais ninguém, percebo que as pessoas mudaram, novo dialeto, cabeça zonza de sono. Penso nas crianças, na forças dos pequenos, na leveza que têm e na possibilidade de deixar tudo ir embora, passa 5 min e já se desapegam de tudo.

Cutro.

Vento balançando as plantas, coceira no corpo.

Despedir-se é morrer um pouquinho, mas só um pouquinho, foi o Galeno que me disse isso.

Mohamed me liga: HAAALUH, EEERIKA??
Giorgia choraminga no telefone.
Ehmoudi diz adeus com vontade de ficar.
Aonde estará a primeira Aziza?
O que acontecerá de Aicha?
Aonde estará aquela Erika?

Parados em Cutro.

Cabeça chegou no campo, cabeça chegou num abraço que se precisa dar um dia.
Cabeça não me deixa em paz.

“E do amor criou-se o escandalo, do medo criou-se do tragico, do rosto pintou-se o palido.
E não rolou uma lágrima, nem uma lastima pra socorrer.... E a gente tem o habito de caminhar entre as trevas, de murmura entre as pedras, de ver o tempo correr...”

E assim seguimos, o tempo seguindo a ansia de chegar, na janelona do trem. O mar é imenso. O vião é pequenim, eu sou pequenim no meio das montanhas que agora me abraçam.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Festival di Teatro Civile

"Exílius" no Festival di Teatro Civile, giorno 11 di Agosto, alle 21:30 - Palazzo Del Fermento, Via Vallone, 54, Caulonia.

A hora das despedidas....

Porque é difícil pra mim e pra eles, mas vale apena....
Cada lágrima, cada riso, cada momento, cada instante, cada abraço, cada grito, cada não dito, cada cada cada cada.
Cada medo, cada não saber o que fazer, cada não entendimento, cada dança, cada qualquer coisa que nossos olhos viam juntos, cada ingenuidade compartilhada...

Ao Senhor das Delicadezas, um pedido por um novo mundo....






Tanto tempo sem escrever...

Primeiro sem conexão, net lenta.
Segundo em trabalho intenso no Via Rosse Teatro com a Sabine Uitz e uma galera muito legal de brasileiros afim de descobrir um milhão de coisas sobre a voz.
Terceiro estava perdida em mim mesma, em pensamentos milhares...
Tomada por uma preguiça de tudo....
Aquela insegurança que bate quando o cansaço toma conta.

Eu estou com a Kelly Jardim, a favor do Deus da Delicadeza, tanto tempo esquecido em algum lugar.
Aquela delicadeza que tantas vezes eu me esqueço, mas tantas vezes eu desejo.

"Ei nóis, que viemos de outras terras, outro mar..."


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Hoje tem Exilius

Tem sim senhor!!
Hoje apresentação no Via Rosse Teatro, às 21h.
Depois do espetáculo todos poderão degustar um bom vinho, apreciar a exposição fotográfica do Paolo Cattaneo e escutar um som com a gente.



domingo, 31 de julho de 2011

Os Ninguens - Eduardo Galeano

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte , por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.


Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Supondo que são crianças

Supondo que são crianças
Supondo que caem
Supondo que adoecem
Supondo que ano passado morreu um menino saharaui no mar
Supondo que tudo pode acontecer
Supondo que estão longe de casa
Supondo que sentem falta da mãe
Supondo que sentem falta do pai
Supondo que sentem falta
Supondo que Nana não acorda
Supondo que Nana tem 7 anos
Supondo que tem 39,7 de febre
Supondo que treme
Supondo que começa um convulsão
Supondo que tem uma infecção na gengiva séria
Supondo que se sente só
Supondo que está com medo
Supondo que eu não sou mãe
Supondo que eu não médica
Supondo que não sou enfermeira
Supondo que esqueço tudo e faço
Supondo que coloco toalha fria no corpo, no rosto
Supondo um ducha fria
Supondo que ano passado morreu um menino
Supondo que sou responsável por eles
Supondo que estou desesperada
Supondo que são 2h da manhã
Supondo que a febre continua 39
Supondo que supositório
Supondo que não sei por isso
Supondo que olho pra ela e a bunda olha pra mim
Supondo que são 4h da manhã
Supondo que a febre agora é 38
Supondo que penso em pipoca e mel
Supondo que não sei rezar
Supondo que canto em volta da cama
Supondo que espero Omulu
Supondo que toca o telefone
Supondo que são 6h30
Supondo que a febre agora é 37
Supondo que me acalmo
Supondo que penso em como é árdua a vida dos pais
Supondo o sol que bate forte na janela
Supondo que esqueço tudo o que fazia
Supondo que pela primeira vez encontrei um outro
Supondo que assim somos.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Histérica Erika

Meus pensamentos são confusos, eu sou confusa, diversa, estranha.
Encontros. Quem explica? O impulso de vida, quem explica?

Carta ao Norby

Estou tomada de vida, não de saudade, de ambiguidades q é viver, te escrevo agora com a certeza de uma parceria que tem frutos que sabe-se lá quando começou, mas cria e recria pensamentos:

"É preciso repensar a pesquisa sempre.
Preciso relembrar que não falo apenas de um povo, que fala do bicho homem e das relações que esse bicho aprendeu a fazer com o mundo. Essa é a dramaturgia primeira, que deve haver em Front(eiras).

O desejo de dominação, de uma verdade de um povo sobre o outro acontece desde sempre.
Vivemos, sabemos das grandes navegações e das colonizações na América e na Africa. As grandes ditaduras e todos os ismos que surgiram delas: Nazismo, Fascismo, Getulismo, assim vai...
Mas, esquecemos que as dominações acontecem também no âmbito particular, nas relações de amizade, familiares, nas imposições de um pensamento e o isolamento ou diminuição do desejo do outro.

De desejar sobrevive o homem,
De desejar padece o homem.

Desejamos a vida, mas desejar a vida é também desejar a morte, é incluir nela a possibilidade do não, do finito.
Não nos ensinaram a crescer e a aceitar o não.

A negação do fim, ou da possibilidade de transformações criam filhos do cruel capitalismo, que acreditam no poder de compra de tudo.
Compramos nossa felicidade junto com um saquinho de açúcar.
Compramos nosso poder no liquido negro do Petróleo.

Enquanto isso, de outro lado uma porcentagem grande da população mundial espera pelo Salvador, aceitando essas relações distorcidas, acreditando que dia alguém fará algo para colocar um fim nesse jogo esquisito, nesse Banco Imobiliario nada criativo ou gostoso de jogar.

O Povo Saharaui acredita na independência, no retorno a terra desejada, em poder ver o sol brilhar novamente de sua pátria. Pisar o chão que um dia já foi seu, há muito tempo atrás, antes dos espanhóis.

Penso no Brasil, nos primeiros habitantes, nos indígenas, que não tiveram forças pra sobreviver aos portugueses, às suas armas mortais: de fogo ou de influenza.
Penso em mim, formada nesse solo brasileiro, que gerou essa mistura maluca que somos nós os brasileiros, filhos de tantos povos juntos, reinventamos a história, nem portugueses, nem italianos, nem africanos, nem espanhóis, nem indígenas, nem alemães, nem nada, mas tudo misturado num só caldeirão chamado Brasil.
Penso nos brasileiros e no pouco que conheço de suas histórias... como chamar de meu o território que nem conheço do Amapá, que nunca andei? Sou tão estrangeira na Amazônia ou no Pantanal quanto aqui.

Sou estrangeira porque não me reconheço em nenhum lugar?
Estou sempre na fronteira de um mundo inventado, eu invento histórias pra fazer a realidade mais ou menos cruel, o meu ponto de vista é sempre uma farsa, um novo enredo, um novo recomeço pra um novo espetáculo.

A dramaturgia em Front(eiras), criemos algumas mais.... criemos pra não criarem em nós o câncer da destruição.
Que a nossa destruição seja ficcional, que não passe de 1h.
Que o fim seja sempre um recomeço.

Pra onde eu desejo regressar? Qual é a terra que eu devo regressar, com que olhos? Com que amor?
Com que ventre?
A minha angustia, é uma angustia de vida.
É uma angustia de morte.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Silêncio

As vezes, o silêncio é o melhor presente que alguém pode te dar.
Caminhamos juntas, sem trocar nenhuma palavra.
Pés no mar, cabeça .... sabe-se lá aonde: Brasil, Saharaui, em alguéns que não podemos ver, mas que existem, mas que estão, mas que são.
A busca de um reconhecimento, de um território, de uma ação.
Sobre nossos olhos somos grandes, somos felizes, somos nós.
Sobre nossos olhos somos saudade, somos ausência, mas somos.
Seguimos, no silêncio preenchido de cumplicidade...
Somos cumplices de tudo o que nos falta.


domingo, 24 de julho de 2011

Pé na areia, cabeça na nuvem


Nunca somos verdadeiramente nós mesmos pra poder de verdade encontrar o outro.
Sempre estamos em algum lugar que não é aqui... A mente sempre vaga um pouco.
Como saber aquilo que se passa?
Como entender o medo que temos de tudo o que é diferente, ou talvez de tudo o que seja exatamente igual a nós?
Não sei se suporto um outro "eu".
Quando formos embora daqui o que encontraremos? Quem encontraremos?
Justo ou não, eu me sinto muito só, mas ao mesmo tempo tão junta, tão repleta, tão cheia de pensamentos novos.
Eu estou aqui, minha cabeça lá... Tudo não passa de uma grande brincadeira, de uma ilusão?
O que realidade?
Quem mente?
Eu? Você? Ou nós?
O que estamos querendo esquecer?

Talvez o cansaço abra espaço para o oásis, ou pros nossos demônios.
O que vim buscar, não sei, mas encontrei minha fragilidade: Eu menina, eu Maria Chorona.
Eu aqui....
Relogio no tic tac, esperando... um algo que não vem, porque talvez não exista.


A primeira visão do mar!!!

Enfim, no mar!!! 
Um novo grupo de crianças, agora são 6 bimbis pra eu dividir com outros 2 adultos, ficou fácil!!

Claro, fez 32 graus toda a semana, chegamos na praia com 16 graus e muita chuva!!
Mas tudo bem, não tirou deles o gosto de ver o mar pela primeira vez!!

Tomados pelos braços da Yemanjá Italiana, la Mama, não sabiam o que fazer com o monstro "Onda". 
Dessa vez, diferente da primeira visão da chuva, foi tudo solene, como uma oração, vai ver eu também estava solene, com saudades dos braços dela.

Estamos novamente nos conhecendo, novas dificuldades, novos ares, novos olhares, e um téco de saudades...




quarta-feira, 20 de julho de 2011

Completa

Olhei para seus olhos e ví um oásis.
Na sua pele seca de deserto, um cheiro de carinho.
No seu cabelo, os bichos que não conhecemos: um camelo e uma cabra.
Não há espaço para bichos do mar ou um caramujo, mas há espaço pra fazer do nada uma diversão.

Seu pensamento é areia, sua casa é tecido e tem nome Jaima!
Construídas sobre dunas flutuantes que viajam no tempo...
Um tempo remoto não conhecemos da televisão.

Andam por aí procurando o que já têm!
Encontram tudo que talvez não precisam, mas levam, fazem questão de levar.
O ontem não se fará amanhã, o amanhã não será igual ao ontem.

Na bagagem vai Adidas e Havaianas.
Meu doutorado é mais intenso que academia.

Ela está no meu coração, no meu ventre, tive vontade de chamá-la de minha filha!

Uma oração de quem não sabe rezar

Ao Sr. Universo,

Que possamos trocar os mísseis por arminhas de água na beira da piscina,
Que não tenhamos olhos pra ver diferenças que nos separam, mas sim diferenças que nos completam,
Que saibamos mais ouvir que falar,
Que saibamos mais olhar que gritar,
Que tenhamos paciência de ver a semente ser fecundada e esperarmos a hora justa da colheita,
Que aprendamos a competir apenas com nossa vaidade e preconceito,
Que as próximas gerações vejam apenas guerras de travesseiros,
Que saibamos envelhecer criança, que a inocência permaneça um pouco,
Que a razão nos falte quando chegar a chuva (que todo banho de chuva seja especial),
Que possamos parar só pra ver uma formiga carregando uma folha verde.

( E sim, sou piegas!)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Choveu!!!

Pode não parecer nada pra gente, mas pros meninos do deserto é tudo de novo:
E hoje CHOVEU!!
Era a primeira vez que Mohamed, 7 anos, via a chuva, água caindo do céu, como um milagre.

Aziza não se aguentou pulou no meu cólo, saímos na rua, pra deixar lavar, que a gente precisa de banho às vezes, principalmente banho de felicidade.
Que felicidade aquilo.

Voltando pra casa Jalifa deixou a janela do carro aberto, mãos pra fora e cantava, cantou a viagem toda sentindo as gotas caírem na sua mão!!

Isso foi fantástico!!!

domingo, 17 de julho de 2011

Mãe de 9

É como brincar de casinha, por 2 meses: leva no clube, leva no banheiro, leva no médico, no dentista, brinca um tanto, joga futebol, tudo sem entender uma palavra.
É como voltar a ser criança, brincar de novo e nenhum adulto entender o que você fala, mas te olham e acham engraçado.

A diferença é que agora quem acha engraçado são as crianças.

Ontem, a presidenta da Associação Jaima Saharaui disse que eu era muito ativa. Vai saber, salvem os Erês que nos salvam.

Salve Yansã, a mãe de 9!!

PS: estou vendo com novos olhos os muçulmanos, com muito carinho, com muito respeito pelas pausas que fazemos para as suas orações.



Pensando...



Muitas pessoas me perguntaram porque estou aqui, se no Brasil precisam de pessoas que ajudem as crianças, afinal há tantos problemas no Brasil!!

Eu não consigo deixar de citar o André Abujamra: “O mundo de dentro da gente é maior que o mundo de fora da gente. O mundo de dentro da gente é um espaço sideral!”

Enquanto pensarmos somente em “Meu pais”, meu território, meu lugar privado, estaremos dando vazão a pensamentos fartos como esse da construção de um muro.

Mas, o pior muro é ainda aquele que não se mostra. Quando prevalece a distância, o desconhecimento, quando o outro é uma ameaça e é assim o tempo todo, a forma como o capitalismo se colocou, no micro ou no macro, temos medo de assalto, temos medo do que será feito do nosso petróleo, temos medo de não termos identidade, identidade privada, não a identidade coletiva de que somos viventes do mundo, do planeta Terra, mas isso não basta, é preciso possuir, é preciso ter. É preciso consumir.
Consumismo a nós mesmos, nosso próprio ventre aberto, de onde perdemos a memória de quem somos.

Eu não tenho nada que possa mudar a vida dessas pessoas, não sou influente, não tenho grana, não tenho nada além da vontade de fazer um teatro nas margens, nas Front(eiras). 

Escrevo isso, não para parecer arrogante, ou me fazer de intelectualóide, mas a liberdade dessas crianças, a criatividade e a sabedoria me ensinam muito mais do que eu a elas.
Não vim ajudar ninguém, vim me buscar na verdade.
Quem sabe um dia eu me encontro.

Depois do André, agora deixo um pouco do meu poeta preferido, pra terminar essa postagem, Manoel de Barros:




O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios

Dentista

Como fazer-se entender por uma menina saharaui, que aquilo que estava a sua frente era um elevador?

A porta fechou, ela completamente assustada, olhos regalados, a porta abriu, era outro andar, Aziza me acenava que não, que aquela não era o lugar que ela estava antes, o que era aquilo? 

O que se passa na cabeça dela? Como explicar o que era?? Uma máquina do tempo?

Fazemos desenhos? Mostro a janela?????

Ela pede a mãe, o que eu faço? mostro uma boneca que estava na sala de espera da dentista. 
Faço nada.
Coisa que só se aprende com uma criança: "A tristeza e o medo duram o tempo de uma distração"



Coisas que acontecem a distância

Tenho uma aula incrível com os Saharauis de democracia, de amor e respeito ao próximo, que nunca havia visto!! Quando não se tem nada, tudo é criativo e tudo se refaz.

A experiencia é inexplicável.

Estou na mesma casa que o Deid, um militar da Frente Polisário e educador aqui. Ele é carinhoso com as crianças ao mesmo tempo que sabe colocar limites sem dar um grito, uma serenidade incrivel!! Eles não bebem nada alcoolico e nem fumam, somente chá, o tempo todo.

Deid me explicou: "Depois da invasão Marroquina, toda sua família fugiu para a Argélia, que deu pra eles um território, vizinho a Tindoulf, para que pudessem se abrigar. Construíram dentro do Exílio, mesmo que nas tendas, todas as cidades importantes que haviam em seu país, agora um território ocupado pelo Marrocos: El Aiun, 27 Febrero, Auserd, Smara, Dasla, uma forma de manterem sua nacionalidade mesmo que no exílio."

O muro, completamente minado impede que eles retornem à sua terra natal. A cada 2 km do muro existe uma guarita militar marroquina fortemente armada. 

Tudo isso por que em Buskraa, existe uma grande reserva de fosfato.
 


Marroquinos e os Saharauis na Itália:
Reggio Emilia: fizémos um pic nic no parque e enquanto o Lucha fazia um chá, um homem bêbado, com um vinho na mão se aproximou e começou  a insultá-lo,com gestos brutos, como se tivesse uma arma na mão, nós tivemos que pegar as coisas e sair. 

Viagem  à Bologna: seguimos para uma recepção do governo com as crianças, eu era responsável por levar 3 meninos comigo de 7 e 8 anos, entramos no trem e junto entraram 2 homens, marroquinos e começaram a falar coisas em árabe pros meninos, algo como eu cuspo em vcs, precisei mudar do vagão com as crianças. Nessa hora, os olhinhos do Edmud era tão singelo e ao mesmo tempo tão tenso que eu quase tive um treco, vontade de meter a mão no cara, mas uma coisa os adultos saharauis me ensinam, serenidade para resolver, não podemos fazer nada aqui, somos o que somos.