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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

No trem...


Ok, pra chegar a Calabria há tempo de fazer o espetáculo não haviam mais postos sentados, compramos assim mesmo, sem nos dar conta de que seriam 16hs nesse trem.

Entramos, num vagão errado, na Bologna nos mandam sair, me perco da Roby com todas as suas coisas, sem celular pra ligar, um frio desgraçado na barriga, medo infantil de ficar sozinha sem todas as minhas coisas, sem passaporte.

Olha, uma calça rosa passa, é ela, grito, pulo no trem, quase em movimento.
Arrumamos um lugarzinho no chão, deitamos pra dormir, repousar ao menos, se é que é possível, olho na minha frente um casal de Punks, bêbados com uma garrafa de cerveja na mão, com um cão sentado numa poltrona... ok, respira fundo e começa a rir, afinal quem mandou pesquisar o tema do exilio, da clandestinidade, vai viver pra ver.

Depois de umas 3 hs, esse mesmo casal saí com o cão, obaaaa, roubamos a vaga.

Éramos 6 pessoas na cabine, mas sempre cabe mais um.
De repente a vida privada se torna publica, ajeita de um lado, ajeita do outro, um casal de namorados na minha frente, decidimos todos deitar de colherinha, pra caber todos na vertical.
Sol raiando, abro os olhos bêbada de sono, É O MAR, um mar lindo, como ainda não tinha visto aqui, o sol sobre o mar numa união perfeita, é incrível.

Isso é Road Movie! Medita, respira, um ronca, outro não fecha os olhos, minha vida na cabeça, as pessoas que já foram, as pessoas que estão chegando, eu aqui, eu em qualquer lugar, cabeça no Campo de Refugiados, desgraça de ideia essa... Eles voltam, nós partimos, nós diferentes, nós em algum lugar. Tanto nó na cabeça, vontade de cortar o cabelo agora, raspar o cabelo. Mudar tudo.

De repente fome, um abre um biscoito, o outro traz a água, o lanche compartilhado.
Uma sede que não passa, pé inchado, outros rostos entram e saem, e a gente continua aqui.

Alguém pergunta: - O que faz uma brasileira na Calabria? - Um espetáculo sobre o Saharaui.

Risos. Muitos risos. É a globalização minha gente, é cosí.
Passaram 14hs, xixi q vem, xixi q vai...
Trem pior do que eu pegava pra trampar em Pirituba.
Eu aqui..

Uma mensagem, um pensamento, vontade de ligar pra alguém e conversar em português.

Vira de um lado, todos devem virar junto.
Olho para o vizinho, o cabelo que vai deixando o gel escorrer.
O desodorante que vai vencendo, o calor aumentando, a ansiedade aumentando.
A imaginação rolando solta.
Balões azuis, vermelhos, verdes, amarelos.
É o sono, o Ney cantando pra mim.
A paisagem a paisana.
Casas antigas, velhas, muito velhas.
Taranto, Cutro.
De um lado montanha, do outro o mar.

Oxossi do arco e flecha...
É rainha do mar.

Pensar sem parar pra escrever pra ninguém, quem gostaria de ler historias de ninguéns?

Eu tomaria uma Coca agora.
Mas, uma Coca Zero.
Mas, bem que podia ser uma agua de coco.

La fora o mar me olha, um degradê um incrível, que vai se azulando, virando oceano.
O Sol é implacável na minha cara.
A Africa tão perto de mim, vontade de sair nadando, bater a mão do outro lado.

Vontade de nunca mais voltar pra mim.
Vontade de colocar os pés pra cima.
Pensar sem parar pra escrever pra ninguém, quem gostaria de ler historias de ninguéns?

Começo a não entender mais ninguém, percebo que as pessoas mudaram, novo dialeto, cabeça zonza de sono. Penso nas crianças, na forças dos pequenos, na leveza que têm e na possibilidade de deixar tudo ir embora, passa 5 min e já se desapegam de tudo.

Cutro.

Vento balançando as plantas, coceira no corpo.

Despedir-se é morrer um pouquinho, mas só um pouquinho, foi o Galeno que me disse isso.

Mohamed me liga: HAAALUH, EEERIKA??
Giorgia choraminga no telefone.
Ehmoudi diz adeus com vontade de ficar.
Aonde estará a primeira Aziza?
O que acontecerá de Aicha?
Aonde estará aquela Erika?

Parados em Cutro.

Cabeça chegou no campo, cabeça chegou num abraço que se precisa dar um dia.
Cabeça não me deixa em paz.

“E do amor criou-se o escandalo, do medo criou-se do tragico, do rosto pintou-se o palido.
E não rolou uma lágrima, nem uma lastima pra socorrer.... E a gente tem o habito de caminhar entre as trevas, de murmura entre as pedras, de ver o tempo correr...”

E assim seguimos, o tempo seguindo a ansia de chegar, na janelona do trem. O mar é imenso. O vião é pequenim, eu sou pequenim no meio das montanhas que agora me abraçam.

Um comentário:

  1. Vai Erika ser gauche na vida....A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos.
    Sinta-se abraçada por mim. Estou te ouvindo.

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