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sábado, 8 de janeiro de 2011

A Dramaturgia em Front(eiras)


No “Projeto Exílius”, a situação desértica e o exílio serão vistos como metáfora sobre a indisponibilidade do corpo com o espaço e do corpo em si mesmo. O intuito é fazer o levantamento dessas práticas de exílio contemporâneo e como uma cultura muitas vezes se impõe sobre a outra, diluindo-a, ver o exílio como morte de uma cultura ou o afastamento dela e, que ecos corporais essa tema pode ter.

A busca desse projeto é conceituar uma forma de criação cênica híbrida, que chamo de Front(eiras), pois mescla realidade e ficção, o espectador, nunca saberá se o que se conta é real ou imaginário:

‘Front’ linha de frente nas batalhas.
‘sem eiras’ as eiras são chãos duros/firmes, utilizadas para secar produtos agrícolas, bem como também cumpriam uma função social, uma vez que proporcionavam um local onde podia decorrer certas cerimônias ou eventos públicos, tais como bailes ou missas. A importância da eira na vida das populações rurais era de tal forma evidente, que deram origem a vários toponímicos, e à expressão "sem eira nem beira", que significa destituído de tudo, numa alusão de como as eiras eram centrais na sua vivência.
‘Fronteiras’, portanto, como território de identidades múltiplas, do qual muitas vezes a linha divisória oficial de separação entre os espaços não corresponde à realidade mestiça e misturada dos que habitam esses locais.

É importante pensar esse conceito dramaturgico, como um conceito em processo, em pesquisa constante e em busca de experimentação.

Unido a ele, a construção do espetáculo em si, outro item importante para o processo de construção são as metáforas de trabalho (tema de minha dissertação de mestrado), conforme artigo escrito por mim e o Prof. Dr. Renato Ferracini:

"Podemos tomar como premissa básica que essas metáforas utilizadas em sala de trabalho são imagens que auxiliam o atuador a adentrar em uma Zona de Experimentação. Dessa forma, longe de serem consideradas possíveis ingenuidades conceituais utilizadas pelos artistas e/ou grupos, são quase ações-imagens-conceitos que sugerem uma experiência prática de trabalho e de entrada em zona de potências, em linhas de fuga das doxas cotidianas corpóreas. Metáforas de trabalho como possível recriação intersemiótica de um fluxo de processo corpóreo-artístico complexo. Também podem revelar, em suas análises práticas, questões conceituais, teóricas e éticas dos artistas e grupos. Sem contar que essas metáforas de trabalho nascem de uma memória do próprio processo de criação e trabalho prático. Dessa forma, o conjunto de metáforas de trabalho como língua interna contém ou compõe a própria memória processual do artista ou grupo. Talvez, ao estudar essa memória processual no conjunto da língua-metáfora de artistas ou grupos podemos adentrar no próprio universo de construção conceitual e dos fluxos de processos de criação complexos que eles utilizam. As metáforas de trabalho, como “língua” de um processo específico deveria, portanto, ser considerada como um discurso potente; e tão potente como a língua conceitual ou matemática. É a língua metáfora-arte que produz conhecimento prático e mesmo teórico quando analisada com cuidado e acuidade. É nas metáforas de trabalho que o discurso do ator, do dançarino, do mestre de cavalo marinho adquire certo patamar de conhecimento merecido e complexo, pois gera ou discursa um fazer que não necessitam de qualquer conceituação para sua completude, pois pensa por si; é potente em si. É com as metáforas de trabalho – e não sobre elas – que o pensamento conceitual, reflexivo e crítico deveria se assentar."

Nessa pesquisa, diferente do mestrado, o que se desejo é investigar como as metáforas de um cotidiano, que não seja o meu, podem despertar em meu corpo movimento e ações.
Quanto ao encontro com as crianças do deserto afirmo que foi um acaso repleto de ‘sorte’. Insisto na palavra sorte, por que em especial conheci uma garota de cerca de 10 anos que realmente comoveu-me. Não nos comunicamos em nenhum momento verbalmente: ela falava árabe, eu português e as duas estavam em território italiano, ela não sabe meu nome e eu não sei o dela.
Esse encontro alterou meu pensamento em minhas práticas diárias, portanto, algo que me moveu tão intensamente em busca de uma resposta, uma inquietação cheia de desejos, esse encontro foi repleto de alegrias espinoziana, um encontro afetivo que alterou minha potência e as práticas que estava fazendo em sala de trabalho, que agora estava repleto de novas metáforas/ações.

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